sábado, 18 de junho de 2011

Zygmunt Bauman - Sobre a arte da vida.



A afirmação “a vida é uma obra de arte” não é um postulado ou advertência (do tipo “tente tornar sua vida bela, harmoniosa, sensata e cheia de significado – tal como os pintores tentam fazer suas pinturas, ou os músicos suas composições”), mas uma declaração de um fato. A vida não pode deixar de ser uma obra de arte se é uma vida humana – a vida de um ser dotado de vontade e liberdade de escolha. Vontade e escolha deixam suas marcas na forma da vida, a despeito de toda e qualquer tentativa de negar sua presença e/ou ocultar seu poder atribuindo o papel causal à pressão esmagadora de forças externas que impõem um “eu devo” onde deveria estar “eu quero”, e assim reduzem a escala das escolhas plausíveis.

Ser um indivíduo (ou seja, ser responsável por sua escolha de vida, sua escolha entre as escolhas, e pelas consequências das escolhas que fez) não é em si uma questão de escolha, mas um decreto do destino. Com muita frequência, porém, é preciso exercer essa responsabilidade em condições que fogem inteiramente ao nosso alcance, seja intelectual ou prático. A vida humana consiste num confronto perpétuo entre as “condições externas” (percebidas como “realidade”, por definição um assunto sempre resistente, e muitas vezes desafiador, à vontade do agente) e designa seus autores/atores: seu propósito de superar a resistência, o desafio e/ou inércia, ativos ou passivos, da matéria e reconstruir a realidade de acordo com a visão da “boa vida” que escolheram. Sobre essa visão, Paul Ricoeur diz que é uma “névoa de ideias e sonhos de realização”, sob cuja luz opaca o grau de sucesso ou fracasso na vida é registrado e determinado. Sob essa luz, certos passos e seus resultados, embora não outros, são avaliados como sensatos, e certos propósitos, mas não outros, destacados como não apenas úteis, mas “autotélicos”, ou seja, “bons por direito próprio”, sem necessidade de serem justificados e defendidos como meios de implementação de outro objetivo, mais elevado.

As visões da boa vida são comparadas por Ricoeur a uma nebulosa. As nebulosas são cheias de estrelas, não é possível contar todas elas, e incontáveis estrelas brilhando e cintilando atraem e encantam. Entre elas, as estrelas podem mitigar suficientemente a escuridão para permitir aos andarilhos traçar um caminho na imensidão – algum tipo de caminho. Mas que estrela deve orientar os passos de alguém? E em que ponto alguém deve decidir se selecionar essa estrela para guia entre uma multiplicidade delas foi uma escolha acertada ou infeliz? Quando se deve concluir que o caminho escolhido não leva a lugar algum, e que chegou a hora de abandoná-lo, voltar e fazer outra escolha melhor, espera-se? Não obstante os desconfortos já provocados por trilhar a rota previamente selecionada, tal resolução pode ser um passo imprudente: abandonar a estrela que até então se seguia pode revelar-se um erro ainda maior e mais lamentável, e você pode descobrir que o caminho alternativo conduz a dificuldades ainda maiores – você não sabe, nem é provável que saiba ao certo tudo isso. Cara ou coroa, suas chances de ganhar ou perder parecem iguais.

Não existe remédio direto ou inequívoco para esses dilemas. Não importa o quanto se tente em contrário, a vida se passa na companhia da incerteza. Cada decisão tende a permanecer arbitrária; ninguém estará livre de riscos e seguro contra o fracasso e desapontamentos posteriores. Para cada argumento em favor de uma escolha, pode-se encontrar um contra-argumento não menos considerável. Não importa o brilho da nebulosa, ele não vai nos assegurar contra a eventualidade de ser forçado a, ou querer, retornar ao ponto de partida. Ao embarcar em nossa jornada para uma vida decente, digna, satisfatória, valorosa (e,sim,feliz), tentamos evitar erros e fugir da incerteza confiando numa estrela, escolhida por seu brilho tranquilizador, para nos guiar. Tudo isso, porém, só para descobrir que nossa escolha da estrela-guia foi, no final das contas, nossa escolha, cheia de riscos como todas as escolhas foram e tendem a ser – e nossa escolha, feita por responsabilidade nossa, ela continuará sendo até o fim...

Fonte: BAUMAN, Zygmunt A arte da vida. tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar,2009
pp. 72-74

Um comentário:

Anônimo disse...

somos folhas caindo da arvore da vida..leve secas e assim quando chegamos ao solo estaremos fertilizando e também porque não fertilizados com a vida a terra e o cosmos somos parte de um todo...um tudo.Este texto me veio a mente tantas coisas.Obrigada por posta-lo