A multiplicidade dos professores era surpreendente; é a primeira diversidade de que se é consciente na vida. Que eles ficassem por tanto tempo parados à nossa frente, expostos em cada um de seus movimentos, sob incessante observação; ora após hora o verdadeiro objeto do nosso interesse, sem poderem se afastar durante um tempo precisamente delimitado; a sua superioridade, que não queremos reconhecer de uma vez por todas e que nos torna perspicazes, críticos e maliciosos; a necessidade de acompanhá-los sem que queiramos nos esforçar demais, pois ainda não nos tornamos trabalhadores dedicados e exclusivos; também o mistério que envolve a nossa vida fora da escola, quando não estão à nossa frente como atores, representando a si próprios; e, mais ainda, a alternância dos personagens, um após outro, no mesmo papel, no mesmo lugar e com a mesma intenção, portanto eminentemente comparáveis – tudo isso, em seu efeito conjunto, é outra escola, bem diferente da escola formal, uma escola que ensina a diversidade dos seres humanos; se a tomarmos um pouco a sério, resulta a primeira escola em que conscientemente estudamos o homem.
Não seria difícil, e talvez fosse interessante, analisar a própria vida, em busca de saber quantos e quais desses professores foram reencontrados sobre outros nomes, quais nos foram simpáticos por causa disso, de quais nos afastamos só por causa de uma velha antipatia, quais as decisões tomadas devido a um antigo conhecimento, o que teríamos feito diferente, sem tal conhecimento. À primeira tipologia infantil, baseada nos animais e que conserva sua eficácia, é sobreposta uma nova tipologia, a dos professores. Em todas as classes existem colegas que os imitam perante os outros com uma habilidade especial; uma classe sem esses imitadores de professores de certa forma seria uma classe sem vida.
Agora, quando os faço desfilar diante de mim, admiro-me da diversidade, da peculiaridade, da riqueza dos meus professores de Zurique. De muito deles aprendi tudo aquilo que correspondia às suas intenções, e a gratidão por eles sinto após cinquenta anos, por estranho que possa parecer, se torna maior a cada dia que passa. Mas, também aqueles de quem pouco aprendi estão tão nitidamente à minha frente como pessoas ou como figuras, que só por isso me sinto em dívida com eles. São os primeiros representantes daquilo que mais tarde constituiu para mim a essência do mundo, a sua população. São inconfundíveis, uma das qualidades supremas; que eles, concomitantemente se tornassem figuras, nada lhes tira de sua personalidade. A interpretação da fluidez que existe entre indivíduos e tipos é, verdadeiramente, uma das tarefas do escritor.
(…) Naquele tempo, a escola me dava tanto quanto em outras épocas só me deram os livros. Aquilo que eu aprendia de viva voz dos professores, conservava como imagem de quem dizia, e em minha memória assim ficou parado para sempre. Mas, se havia também professores dos quais eu nada aprendia – mesmo assim eles deixaram sua impressão por si próprios, por sua figura peculiar, seus movimentos, sua maneira de falar, e, sobretudo, por sua antipatia ou simpatia, conforme o qual sentíamos. Havia todos os graus de afeição e de calor, e não me lembro de um professor sequer que não tenha se esforçado por ser justo. Mas nem todos conseguiam administrar a justiça de forma a ficarem completamente ocultos o desagrado ou a estima. A isso se acrescenta a diferenciação de recursos internos, a paciência, a sensibilidade, a expectativa.
Elias
Canetti – A língua absolvida: História de uma juventude.
Tradução: Kurt Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; p. 172