segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

W. A. Mozart: Clarinet Concerto /Bassoon Concerto /Horn Concerto No. 2



Aqui  estão reunidos três concertos de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) compostos em momentos distintos de sua vida. O concerto para fagote KV 191 em B bemol maior é o primeiro que ele escreveu para instrumentos de sopro, em 1774, aos 18 anos. O concerto para trompa no. 2 in E bemol maior foi concluído em 1783, enquanto o concerto para clarinete in A maior foi escrito um mês antes de sua morte, para o seu amigo Anton Stadler.


Clarinet Concerto in A major K. 622 Allegro





Bassoon Concerto in B flat major K 191 Rondo- tempo di menuetto




Horn Concerto no. 2 in E flat major K 417 Andante



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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Poemas Arcanos de Assis Lima.



Francisco Assis de Souza Lima (natural de Crato-CE) é psiquiatra e pesquisador em cultura popular. Neste tema publicou Conto popular e comunidade narrativa. Poemas Arcanos (Ateliê Editoral, 2008) reune poemas escritos ao longo de mais de trinta anos.


Fogo sem nome.

Fogo que consome
sem que se alcance o rastro.
Fogo sem nome
sem amplexo ou lastro.

Fogo que não expande.
Fogo de bronze
em coivara de aço.
Fogo sem labaredas.

Fogo que não purga,
fogo que não chama,
fogo sem trempe ou tacho.

Deste fogo de instante
e eternidade,
livrai-me.



Uma precisa lembrança do tempo
a Ana Cecília de Sousa Bastos

Colhendo o poema e cada palavra
em lâmina e pétala.
No afiado gume do tempo.
Em cor e dor.
Na precisa lembrança do tempo.
Poema-estação-de águas?
Vestígios do passado sem fim.
Nostalgia do tempo essencial.

Do olhar-paisagem da menina
as cidades vêm a nós:
em silêncio de ouro transportadas.
Em vento sutil, nas ruas, no sol, na chuva, no intenso mar.

Em pedra, ou no ar esculpidos
estão os poemas-ramalhetes
do sentir humano:
e por estes ícones temos entrada no reino do ser.

E um coração
revelando
nos passos da mais-que-amada presença
(ou ausência),
no selo e na voz,
o retrato fiel do amor.

Poemas:
mistério tangível
dos momentos que dançam
em rondó e sarau.
Infinitamente.




Amor aprendiz
a Elizabeth Pessôa

Entregue ao teu amor esfacelado
quiseste a sombra viva do meu corpo
ao sentir que distante, mas exato,
na mesma solidão banhava o rosto.

Assim é que fiel ao teu silêncio
teu olhar me foi céu recosntelado
e entre luas, estrelas e desejos
sem mais nuvem nos demos novo laço.

Aprendiz do amor sem mais cartilha
além desta que a vida mesma traz,
entre erros e acertos repetidos

nosso amor pela dor já se refaz,
e em renovado salto de oferenda
o amor sobre a dor se alça a mais.


Evocação Negreira

I
Neste batente de pedra
hoje lavrado de lua
venho selar meu silêncio.
Em vez de sangue e vagido
quero guardar-me, semente.
Quero fazer com que a pedra
mais dura que sou eu mesmo
lacrada dentro do peito
em mudo sono adormeça.
Neste batente de pedra
que pode ter sido o cepo
do primeiro golpe dado
quero que o grito calado
feito de pedra emudeça.
Que a negra flor da ferida
no breu da noite escureça.
Que a dor, se ainda for viva,
também na pedra embruteça.

II
Minhas certezas são poucas,
são pulsações que nem peço.
Trago uma herança de medo
e a dor de um banzo tão velho
que já não posso, nem quero,
suportar tamanho peso.

Dor de ser, sem poder sê-lo.
Dor sem sustento, sem pão,
dor sem nome, sem desvelo,
dor-semente, mas sem chão.
Dor de todo ser vivente
atado à negra corrente
de uma outra escravidão.

(Nao sei às vezes se chore
ou se bendiga o deus triste
que do outro lado da noite
escureceu minha face).

III
Há um mar entre tudo isto.
Existe o grito e o laço
de um leiloeiro mercante.
Uma corrente nos pés.
Um palco de comerciante.

A âncora lançada ao março
e no mar, tormenta escura,
num calabouço ancorado
era o corpo torturado
pois a alma já não vinha.

IV
Da viagem nunca finda
não se soubera contar.
Do sol a luz não se via
nem belo estava o mar.
Na alma só calmaria
no tempo só agonia
nenhuma estrela a piscar.
Um só sentimento vinha
na promessa do chegar:
o laço-mãe se partira
mas o coração e a sina
permaneciam por lá.

Magoados, brancos hinos
foram tangidos por cá:
lira na mão de meninos
cantando em toques lindos
atrocidades sem par.
Foram cantos de um barqueiro
sentado à beira do mar.
Mas dos navios negreiros
quem poderia contar?
Nem claros peixes nem musas
degredo não vêm salvar.
Nenhum segredo futuro
nem passado por passar.
Quando a ferida está feita
resta somente salgar.

V
Esquecida noutras eras
a língua de meus avós.
Que voz tão minha,
voz de três línguas,
preciso antes de morrer?
Calar, por que já não pude?
Que dor me obriga a viver?


Temas para Lua Cambará

I – Memória

Meu nome está escondido nestas paredes
salgadas pelo suor do escravo sem nome.
Está nestes torrões, amargos, duros,
que o vento amontoou sobre mim.

O tempo me ensinou a ruminar.
Eu rumino o bredo dos séculos que comi.
Rumino como os velhos feiticeiros
a memória das eras antigas.

Minha memória é feitiço que dobra o tempo,
que marca o ponteiro do sol,
que deixa a lua reinar
no sangue moreno da terra.

II – Cio

No tempo de lua cheia
seu cavalo vira rede
rangendo amor na varanda.

Suas esporas são dedos
que pela carne de negros
rebenta amores e manhas.

As rédeas são seus cabelos.
Os seios, melões e mangas.
Sua voz vira gemido
da juriti quando canta.

E juntos, mulher e homem
nesse amor de escravo e ama,
a carne dá-se em banquete
a sede na boca é vinho
e no ventre o vinho é chama.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Boa notícia! Links renovados.

Caros leitores, os links para download estão atualizados. Assim, o arquivo em pdf dos livros de Christopher Lasch, as entrevistas com Sara Paín, a ópera Akhnaten de Philip Glass, entre outros, podem ser baixados em suas respectivas postagens. Optei pelos sites de hospedagem Deposit Files e BayFiles. Com o tempo cada arquivo terá dois links, ou um terceiro. Conto com a colaboração de vocês para corrigir alguma eventual falha.
A situação continua tensa e o futuro do compartilhamento de arquivos na internet permanece em aberto. Vale continuar vigilante.
Atenciosamente, Marcelo.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Esclarecimento.


O cerco está se fechando. Pelo menos esta é a sensação. Após o fechamento do Megaupload fiz o upload de alguns arquivos do blog para o FileServe. Entretanto, este site não está mais compartilhando arquivos (ao que parece, só o próprio usuário que fez o upload pode baixá-lo).

Novas informações e prognósticos sombrios  aparecem a todo instante. O arquivamento do SOPA e do PIPA trouxe algum otimismo, todavia aparece o fantasma do ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement), assinado em Tóquio em outubro passado. É um pacote que também prevê leis mais rígidas para defesa de direitos autorais e combate à pirataria. E que pode ser bem mais insidioso que os anteriores.

Os leitores podem se inteirar sobre o contexto deste pacto aqui. Um outro artigo interessante é
Sopa, Megaupload e Anonymous: 10 fatos essenciais neste link .

Então, estou de volta à prancheta para desenho. Em breve, espero encontrar uma solução para o compartilhamento dos arquivos que disponibilizo aqui no Labirintos do Ser.


sábado, 21 de janeiro de 2012

Hinos à Inanna e Ishtar




Inanna, a Grande Senhora do Céu (An), igualmente nomeada como “Senhora dos mil ofícios”, é uma das principais divindades do panteão sumério. Este segundo epíteto, está relacionado ao fato de ser patrona e protetora de uma multiplicidade de funções e poderes: estrela da manhã e/ou da tarde (dentificação ao planeta Vênus), deusa da agricultura, do fogo, do raio, da alegria, do terror e, principalmente,da fertilidade, do amor e da guerra. “Inanna” é seu nome sumério, enquanto Ishtar é o nome de sua contraparte acádica (sumério-babilônica).

Inanna também era nomeada como Ninanna “Rainha do Céu” e como Ninsiana (deusa do planeta Vênus) e os seus domínios eram a fertilidade, o amor e a guerra. Seu pai era o deus lunar Nana (Sin) e o seu irmão, o deus solar Utu (Shamash).

Seu símbolo é o feixe de juncos, que também é seu caractere específico na escrita cuneiforme. Nos períodos médio e tardio da Babilônia a estrela de oito pontos era associada a ele, e aparecia em marcos de fronteiras.

Território de imensa pluralidade política e religiosa,a Mesopotâmia possuia um panteão que abrigava cerca de 3 mil divindades. Paralelamente entre os embates entre as cidades-estado, existiam conflitos religiosos entre os sacerdotes.

A importância de Inanna foi reforçada no Período Acádico Antigo (c. de 2371-2230, Dinastia Sargônica), que iniciou com a conquista da Suméria sob Sargão I, rei de Acad (2371-2316). Ele criou o primeiro grande império sumero-acádico, no qual se difundiu sucessivamente a língua acádica junto a língua suméria. Sargão I adotou como sua deusa pessoal Ištar cujos atributos são quase idênticos com Inana. O soberano atribuía a ela seus sucessos políticos (conquistas militares e consolidação do seu imenso império).

Assim a deusa adquiriu atributos bélicos, simultaneos aos antigos traços de uma deusa que proporciona a vida (embora mais relacionados a questão do amor e fertilidade).

Desse modo, Inanna/Ishtar fornecia a legitimação religiosa das políticas de conquistadores acádicos,assírios e babilônicos até meados do 1º milênio a. C.

Hino a Inanna e A Ishtar pertencem à coletânea Preces do Oriente Antigo (Paulinas, 1985, pp.9-10;13-15), enquanto a Lamentação dirigida a Ishtar está no volume Textos Sacros (Abril Cultural, 1973, pp 140-143)



Hino a Inanna

I

Àquela que vem dos céus, àquela que vem dos céus,
eu quero dizer “salve”!
À hieródula que vem dos céus,
eu quero dizer “salve”!
À grande senhora dos éus, a Inanna,
eu quero dizer “salve”!

À tocha santa, que inflama os céus,
A Inanna, luz que brilha como o dia,
A Inanna, grande senhora do céu,
eu quero dizer “salve”!

À hieródula 1, temível senhora dos deuses Anunna,
Àquela na qual todos depositam sua confiança,
Àquela que abrasa céus e terra,
À filha primogênita da Lua, a Inanna,
eu quero dizer “salve”!

Por seu caráter augusto, por sua grandeza,
pela confiança que todos nela depositam,
Por sua vinda resplandecente à noite,
Pela tocha santa que inflama os céus,
Pelo lugar que ela ocupa nos céus,
igual à Lua e ao Sol,
Do País Baixo ao País Alto todos a conhecem;
À grandeza da hieródula do céu,
A Inanna
quero cantar!

II

Tal um dragão, atiraste (teu) veneno sobre a montanha!
Quando ruges contra a terra como o deus das tempestades,
o grão cessa de brotar!
Dilúvio descendo de sua montanha,
Tu és a primeira, a deusa do céu e da terra.
Fazes chover sobre os homens um fogo ardente;
Tu que o céu dotou das ME2,
Rainha que cavalgas um animal selvagem,
Tu, cujas ordens se inspiram nas ordens do Céu,
Quem pode saber o que é teu
entre todos os grandes Poderes?

III

Destruir e construir,
arrancar e instalar,
a ti pertencem, ó Inanna.

Fazer de um macho uma fêmea,
e de uma fêmea um macho
a ti pertencem, ó Inanna.

Atração e desejo carnal,
construir uma casa ou pafar seu aluguel,
a ti pertencem, ó Inanna.

Comércio e lucro,
prejuízos e falências,
a ti pertencem, ó Inanna.

Exame, instrução e reforma,
pesquisar e resolver
a ti pertencem, ó Inanna!

Procurar astúcia ou esperteza,
ocasião ou mercado regular
a ti pertencem, ó Inanna!



A Ishtar

Cantai a deusa, a mais importante das deusas,
Que seja glorificada a senhora do povo,
a maior entre os Igigu3,
Cantai Ishtar, a mais imponente das deusas,
Que seja glorificada a senhora das mulheres,
a maior entre os Igigu!

Ela está revestida de alegria e de amor,
Ela está ornada de encantos, graça e beleza;
Ishtar está revestida de alegria e de amor;
Ela está ornada de encantos, graça e beleza.

Seus lábios são doces, sua boca é vida,
Os sorrisos desabrocham em seu semblante;
Ela é esplêndida, pérolas repousam em sua cabeça,
Suas cores são belas, seus olhos, matizados e cintilantes.

A deusa, junto dela está o conselho,
O destino de tudo ela o tem em suas mãos;
A seu olhar florescem a prosperidade,
O garbo, o esplendor e a boa sorte.

Ela ama o entendimento, o amor mútuo, o bem.
É ela que rege a concórdia;
A jovem que ela escolheu encontra nela uma mãe,
Entre o povo ela é mencionada, e o seu nome, repetido.

Quem se iguala à sua grandeza?
As suas funções são poderosas, eminentes e ilustres;
Ishtar, quem se iguala à sua grandeza?
As suas funções são poderosas, eminentes e ilustres.
Entre os deuses, sem igual é o seu lugar,
A sua palavra é de peso, ela supera a todos;
Ishtar, entre os deuses, sem igual é o seu lugar,
A sua palavra é de peso, ela supera a todos.

Ela é a rainha deles; eles acatam as suas palavras,
Todos estão ajoelhados diante dela;
E recebem dela a sua luz;
Temem-na mulheres e homens.

Na assembléia deles o que ela diz é nobre, supremo,
Ela ocupa o seu trono no meio deles exatamente
como Anu, o rei deles;
De entendimento, de habilidade, de inteligência
é feita sua sabedoria.
Ela e seu esposo deliberam.

Eles residem junto na cela4, [santuário]
No templo alto, na morada da alegria;
Os deuses se mantém diante deles,
Ao que diz a sua boca prestam eles toda a atenção.

O rei, favorito deles, aquele que o seu coração ama,
Esplendidamente lhes oferece seu sacrifício puro;
Ammiditana, como sacrifício puro de suas mãos,
Oferece-lhes à saciedade touros e cordeiros gordos.

A Anu, seu esposo, ela pediu para ele
Uma vida duradoura e longa;
Muitos anos de vida para Ammiditana5,
Ishtar outorgou, concedeu.

Por sua ordem, ela colocou
As quatro regiões6 aos pés dele;
E o conjunto de todos os lugares habitados,
Ela os atrelou ao seu jugo.

O desejo do seu coração, o cântico que a fascine
É o que convém à boca do rei;
Ele fez por ela o que Ea7 ordenava,
O qual o ouviu glorificá-la e se rejubilou com isso.
“Que ele viva e que o seu rei8 o ame para sempre”!

Ishtar, a Ammiditana, o rei que te ama,
Concede o dom de uma vida longa e duradoura.
Que ele viva!

Oração de súplica à Ishtar:

[o louvor da divindade]

Ishtar guerreira, a mais venerada das deusas,
Tocha do céu e da terra,
irradiação sobre as regiões,
Irnini, filha de Sîn,
descendente de Ningal9,
Gêmea do barbado e resplandecente guerreiro Shamash10;
Ishtar, tu és como Anu, tu governas os céus;
Com Enlil11, o conselheiro,
tu mandas nos lugares habitados;
Princípio criador de ritos e purificações,
Tu dispões, no Abismo, das instruções de Ea,
dos decretos.
Por toda parte onde fundações são colocadas
e onde um tijolo é assentado,
Tu cuidas, como Shamash, daqueles que puseram
de acordo.
Que seja entre os Igigu, quem é teu rival?
Que seja entre os Anunaku12, quem é teu igual?
És tu que, no curral de humanos,
estabeleces a pobreza ou a opulência;
Tu mudas as sortes, e o infeliz se torna próspero.

[o suplicante]

Procurei entre os deuses:
somente a ti preces eram oferecidas;
Olhei para o lado dos deuses:
somente para ti ia a adoração!

Diante de ti está um Gênio, atrás de ti uma Fortuna;
À tua direita está a justiça; à tua esquerda está o bem;
São constantes em tua presença acolhimento favorável,
assentimento e paz;
Estás cercada de vida e salvação.
Como é bom orar a ti, quão próximo é teu ouvido!
Teu olhar é atendimento, tua palavra é luz.

[o pedido]

Sê misericordiosa comigo, Ishtar, ordena
que eu prospere,
Olha-me fielmente e acolhe minha súplica.
Segui tua orientação, que para mim
o proveito seja constante;
Toquei em teu andor, que eu tenha a felicidade;
Carreguei teu jugo, proporciona-me a tranquilidade;
Estive à tua espera, que a paz venha até mim;
Observei tua irradiação,
que ela seja atendimento e assentimento;
Procurei teu brilho, que eu tenha um ar radiante;
Voltei-me para tua senhoria,
que isto me seja vida e salvação.

Que eu adquira o bom Gênio que te precede;
a Fortuna que te segue, que eu a obtenha.
A riqueza que está a tua direita, que seja também minha;
que eu obtenha o bem que está a tua esquerda.

Ordena que o meu pedido seja ouvido;
Que a palavra que eu disser seja acolhida
tal como eu a disser;

Na saúde e na alegria do coração, conduze-me cada dia;
Prolonga meus dias, faze-me dom da vida;
Que eu viva, seja salvo e celebre a tua divindade;
Que eu consiga tudo aquilo para o que eu tendo.

[a ação de graças]

Que os céus se regozijem por causa de ti
que o Abismo se rejubile por tua causa;
Que os deuses do universo te bendigam;
Que os grandes deuses contentem teu coração!




Lamentação dirigida a Ishtar

“A ti suplico, Senhora entre as Senhoras, deusa entre as deusas!
Ó Ishtar, rainha de todas as moradas,
guia de toda humanidade!
Ó Irnini, ó Ishtar!
És a soberana, a maior das deusas
entre todas as divindades!
Tu és poderosa,
tu és uma princesa,
a maior das deusas entre todas as divindades!
Teu nome é glorificado!
Tu és a luz do céu e da terra,
ó valorosa filha de Sin!
Tu guias os exércitos e começas as lutas.
Tu, que és a primeira em todos os cultos,
adornada por uma coroa de soberana.
Ó senhora rainha em teu esplendor,
soberana entre todos os deuses!
Estrela do grito de guerra, Senhora da peleja,
que atemorizas as montanhas,
ó Ishtar, coberta de luta, revestida de terror!
Tu fazes com que se cumpram o julgamento e a sentença,
a lei do céu e da terra.
Os santuários te veneram, assim como os templos,
assim como as moradas divinas e as capelas13.
Onde não estaria presente o teu nome?
Onde não estaria presente o teu culto?
Onde não aparecem tuas efígies?
Onde não te construíram templos?
Onde não és proclamada a maior entre todas as divindades?
Onde não és glorificada?
Anu, Enlil, Ea te glorificaram
e perante todos os deuses declararam a grandeza de tua divindade!
Eles te glorificaram perante todas as divindades
e para ti destinaram um trono sublime.
À simples lembrança de teu nome, tremem o céu e a terra,
estremecem todos os deuses
e os homens veneram a teu nome terrível!
Tu és grande, és glorificada, ó poderosa Ishtar!
Todos os homens exaltam teu vigor.
Tu convertes em Justiça e Eqüidade o direito dos homens.
Voltas o teu olhar benigno sobre os oprimidos e sobre os abandonados,
guiando-os, dia após dia.
Por que demoras, portanto, Senhora do céu e da terra,
Pastora dos rebanhos?
Por que demoras tanto a nos socorrer,
ó Senhora, personificação da pureza?
Por que demoras tanto a nos atender,
ó Senhora do combate e de todas as batalhas?
Tu, a real, a leoa entre todos os deuses,
que deitas por terra os deuses encolerizados...
Tu, a mais forte entre todas as soberanas,
capaz de subjugar a todos os deuses...
Tua soberania é engrandecida e solidamente assegurada,
ó heroína Ishtar, grande em teu poderio!
Resplandecente paz do céu e da terra, luz de todos os países,
Furiosa e valente na batalha, tocha brilhante contra os inimigos,
exterminadora dos fortes -
tu, ó Ishtar, fazes que se empalideçam as faces dos homens,
tu, que és capaz de unir os exércitos!
Deusa de todos os homens e mulheres,
ó Ishtar, de quem ninguém consegue arrancar o último conselho -
para onde quer que volvas o teu olhar
ressucitas o morto e o que se encontrava enfermo sara.
A justiça se transforma em injustiça
para aquele que teu olhar contempla.
Eu te invoco, eu, o miserável, o abandonado, o enfermo -
teu escravo!
Olha para mim, minha senhora,
atende ao meu clamor!
Contempla-me com tua graça, escuta a minha preçe!
Declara-me perdoado e acalma teu espírito -
o perdão para o meu corpo aflito, cheio de confusão e desordem...
O perdão para o meu coração enfermo, cheio de lágrimas e gemidos...
O perdão para as minhas entranhas doentias, cheias de desordens e embaraços...
O perdão para minha casa sofredora, na qual ressoam tristes lamentos...
O perdão para meu espírito, tomado por lágrimas e suspiros...
Ó gloriosa Ishtar, leoa feroz,
acalma teu coração!
Ó Senhora, selvagem e encolerizada,
acalma teu espírito!
Que teus olhos misericordiosos me tragam paz!
Que se volte para mim, clemente, tua face resplandecente!
Libera-me do encantamento maldoso que penetrou em meu corpo
e faz-me contemplar tua luz fulgurante!
Por quanto tempo ainda, ó minha Senhora,
deverão meus adversários me olhar
e, pérfidos e mentirosos, inventar maldades contra mim?
Por quanto tempo, ainda, voltar-se-ão contra mim meus perseguidores,
Aqueles que me colocam diante de ciladas?
Por quanto tempo ainda, ó minha Senhora?
(…) Os fracos se tornam fortes
e eu, ao contrário, me torno fraco!
Eu oscilo como as ondas, como as ondas que a tempestade levanta.
Meu coração voa e plana como um pássaro no céu.
Como uma pomba, eu me levanto, dia e noite,
sinto-me oprimido e choro, desolado.
Minha alma está tomada pela angústia.
Que fiz eu, ó meu Deus e minha Deusa?
Sinto-me ferido como se não tivesse mais crença,
ó meu Deus, ó minha Deusa!
Sobre mim recaem a dor, a dor de cabeça,
a morte, a ruína!
Sobre mim recaem as tribulações,
a infelicidade e a cólera intermináveis!
Sobre mim recaem a ira, o furor,
o desdém dos deuses e dos homens!
Ó minha Senhora, eu contemplo a desordem e o tumulto,
a morte e a miséria que estão a minha volta!
Minha capela está devastada,
meu santuário está devastado!
Um silêncio terrível envolve minha casa, espalha-se pelas portas e salas.
Nesse momento, meu deus, deviaste de mim a tua face!
Minha raça está devastada...
Deposito toda a minha esperança em ti,
ó minha Senhora, para a qual a minha alma recorre!
Eu te imploro, ó Ishtar, libera-me de minha punição!
Perdoa a minha falta, o meu erro e o meu pecado!
Perdoa os meus pecados, acolhe a minha súplica!
Dirige meu passo a fim de que, radiante como um Senhor,
siga eu o caminho dos outros homens!
Comanda aos deuses, sob teu domínio,
para que o deus encolerizado se torne pacífico,
que se volte novamente a meu favor
a deusa que me mostrou sua face encolerizada!
Que a lareira, escura e apagada, brilhe de novo em minha casa!
Que a minha tocha extinta lance novamente chamas!
Que a minha raça devastada ressurja de novo,
que minhas terras sejam prósperas
e que meus estábulos aumentem!
Aceita a veneração que ajoelhado te ofereço!
Atende a minha prece e olha-me com clemência!
Até quando, ó minha Senhora,
teu espírito estará cheio de cólera?
Até quando, ó minha Senhora,
afastarás de mim o teu olhar?
Até quando, ó minha Senhora,
teu espírito estará cheio de cólera?
Volta novamente tua face para mim,
A fim de pronunciar uma palavra que seja de clemência!
Que tua alma se acalme como as águas correntes dos rios.
Faz com que possa eu investir contra os meus inimigos
e que os que estão irados e contra mim se tornem submissos.
Obriga-os a que se humilhem a meus pés!
Possam a minha prece e a minha súplica ser atendidas!
Que tua grande misericórdia desça sobre mim!
Que todo aquele que me veja nas ruas
Passe a glorificar o teu nome!
E eu também, diante de todos os homens,
cantarei louvores à tua divndade e ao teu poderio.
Ishtar é grande! A Senhora é a rainha!
Ishtar, a filha de Sin, é a heroína sem rival!”





Notas:


1. Mulher que se dedicava a funções cultuais nos templos dedicados à Inanna/Ishtar. Aqui entramos na questão da chamada "prostituição sagrada", que provoca vários equívocos. Segundo as crenças da Mesopotâmia, todas as formas de fertilidade eram inter-relacionadas, de modo que o sexo em um ritual servia para garantir boas colheitas e rebanhos fortes. Portanto, os fiéis que adoravam Ishtar geralmente tinham que ter relações sexuais com sacerdotisas, embora houvesse todo um processo  separando o ritual de acasalamento do prazer. Elas não cobravam pela relação sexual (que fazia parte da cerimônia), o prazer em si não era o fim último, porém um reflexo da relação mística entre todas as formas de criação da vida. A "prostituta sagrada" era chamada de qādēsh pelos judeus e hieródula pelos gregos. 
2. ME designa os poderes sagrados das leis com as quais Enki utilizou para estabelecer a ordem no mundo. Desse modo, constituem forças que movem o mundo e todas as instituições existentes.
3. Igigu são os grandes deuses celestes, considerados coletivamente.
4. ou santuário.
5. rei da Babilônia.
6. todo o universo.
7. Ea é o deus do abismo das águas.
8. o rei celeste (Anu) do rei terrestre (Ammiditana)
9. Ningal era a deusa da cana, irmã de Enki e Ningikurga e cônjuge do deus da lua Nanna, com quem gerou Utu, o deus filho, Inanna, e em alguns textos, Ishkur.
10. Shamash é o deus Sol.
11. Enlil é o rei dos deuses e filho do Céu.
12.Anunaku (ou Anunnaki entre outras variações) são um grupo de divindades sumérias, acádicas e babilônicas.  Sua relação com o grupo de deuses conhecido como Igigu não é clara - às vezes os nomes são usados como sinônimos. Todavia, no mito do dilúvio de Atrahasis eles têm de trabalhar para os Anunaku, rebelando-se após 40 dias e substituídos com a criação dos seres humanos.
13. o termo capela provoca estranheza, e parece uma licença do tradutor (lembrando que se trata de uma tradução de alguma versão em francês ou inglês). Talvez seja referência a um tipo de santuário doméstico.

Bibliografia:

ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan P. Dicionário das religiões. (com a colaboração de H.S. Wiesner. São Paulo: Martins Fontes, 1995
Preces do Oriente Antigo. tradução: Benôni Lemos; revisão: Olga Fleury Lombard. São Paulo: Edições Paulinas, 1985 (Documentos do mundo da bíblia, v. 1)pp. 9-10; pp.13-15
VVAA. Textos Sacros. São Paulo: Abril Cultural, 1973 pp. 140-143 [tradução da Lamentação dirigida a Ishtar pelo Prof. Antônio Flávio de Oliveira Pierucci]
Wilkinson, Philip & PHILIP, Neil Guia Ilustrado Zahar: Mitologia. tradução Áurea Akemi, revisão técnica: Miriam Sutter. Rio de Janeiro: Zahar, 2010


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Caros leitores.

O site Megaupload foi fechado pelo FBI após ordem judicial. 

Como os arquivos que disponibilizo para download no Labirintos do Ser estão hospedados no Megaupload substituí os links para download dos livros A Cultura do Narcisismo e O Mínimo Eu, e o arquivo com as entrevistas de Sara Pain. Estão agora disponíveis no FileServe. Creio que isto será passageiro. Escolhi estes porque estão entre as postagens mais visitadas em meu blog. Com o tempo vou incluindo os demais.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Soylent Green (1973), direção: Richard Fleischer





Um dos momentos emblemáticos do filme Soylent Green (EUA, 1973, direção de Richard Fleischer) acontece em um confronto entre a multidão e a polícia nas ruas da New York de 2022. O povo é reprimido com auxílio de enormes escavadeiras. Assim temos a inusitada cena de pessoas sendo colhidas pelas pás e colocadas para dentro dos veículos igual a sacos de lixo ou simplesmente sendo arremessadas para longe a fim de desobstruir as ruas.

A massa é representada por figurantes cobertos de poeira, alguns usando máscaras cirúrgicas, toucados e lenços nos cabelos, roupas largas acizentadas ou esverdeadas. Olhares distantes, tristes e indignados. Algo análogo aos prisioneiros dos campos de concentração. Ou funcionários de limpeza que mal damos conta da existência.





De que trata Soylent Green?

Na segunda década do século XXI a paisagem da Terra está extremamente modificada. O calor é impiedoso e contínuo. A luta pela sobrevivência é estenuante. O verde é raríssimo nas grandes cidades e o que restou dos campos é protegido militarmente como se fosse um tesouro. Boa parte da vida animal está quase extinta. Sendo assim, o consumo de carne é um privilégio e a maioria da população é compulsoriamente vegetariana. Todavia, legumes, verduras e frutas não estão acessíveis a todos. Por exemplo, um frasco com frutas custa cerca de 150 dólares. O povo é alimentado através de tabletes verdes industrializados em larga escala chamados de Soylent Green (algo como as nossas barrinhas de cerais). Oficialmente somos informados que sua composição consta de algas marinhas e plancton dos oceanos.

O filme segue mostrando a rotina do policial/ detetive Robert Thorn na superpopulosa New York de 2022. É um caos de mais de 40 milhões de habitantes, onde o desemprego atinge metade deste contigente. Há graves problemas de abastecimento de água. Os sem teto dormem amontoados nos cantos. Funerais não existem mais. Os mortos são levados em veículos semelhantes a caminhões de lixo.





Thorn possui certo senso do seu dever. É a única coisa que lhe sobrou numa sociedade esgarçada. Procurar outra colocação ou constituir uma família parece uma insanidade neste contexto. Portanto tenta fazer seu trabalho da melhor forma possível, dentro da estrutura precária e corrupta. Ainda tem alto grau de malandragem e jogo de cintura para sobreviver.

O policial é incubido de investigar o assassinato de um homem rico, William R. Simonson (Joseph Cotten), ligado à corporação que produz o Soylent Green, em seu luxuoso apartamento. Todavia, ele parece ter aceitado deliberadamente sua morte, após um breve e enigmático diálogo com o seu executor. Assim a missão de Thorn começa sem muitas pistas. Shirl (Leigh Taylor-Young), a namorada (ou melhor, espécie de concubina e secretária) de Simonson não se encontrava no momento. O mesmo acontece com o guarda-costas do morto.

Então, o misterioso petisco esconde um segredo terrível. Já não tarda muito a vida de Robert Thorn estar sob ameaça.

Com o tempo aparece um laço de afeição entre Thorn e a belíssima Shirl. Seu status social é curioso. Depende das graças de cada novo ocupante do sofisticado apartamento, geralmente executivos, políticos e empresários. Tem que agradá-los (em vários sentidos) para não correr o risco de ficar na rua. Considerá-la um tipo de prostituta é algo um tanto redutor. É uma personagem que durante o filme todo não apresenta nenhuma explosão de violência. Aparentemente tenta manter o sangue frio e certa racionalidade, calculando suas chances de se dar bem neste ambiente áspero.  Em dado momento o detetive Thorn pergunta a ela como consegue manter a serenidade em meio a esta situação no fio da navalha em que vive...

Thorn divide seu apartamento com o idoso Sol Roth, homem de vasta cultura e enorme carga de sofrimento. Ex-músico e professor universitário Sol constitui a alma do filme, pois é como um guardião da memória. Conheceu e saboreou parte do mundo antes da catástrofe social e ambiental. Seus diálogos espirituosos com Thorn são excelentes. De partir o coração é a cena em que Thorn aparece com um pedaço de carne (e outras coisas) que havia surrupiado numa investigação e o oferece a Sol, que depois prepara um jantar como há muito não fazia.
Este personagem é o ponto de convergência em torno do mistério do filme, pois ao tomar conhecimento do segredo do Soylent Green decide que sua estadia na Terra está encerrada, mas incube Thorn de divulgar a verdade para todos.

Num momento decisivo, Sol parte para uma instituição governamental chamada Casa, que pratica uma forma de eutanásia. Após o medicamento ser aplicado, diluído numa bebida, Sol vai para uma sala onde é envolvido por projeções em alta definição com cenas do mundo que havia conhecido e que não existe mais. Incube Thorn de desvendar e revelar a humanidade o mistério que envolve Soylent Green.

A figura de Sol Roth é ainda mais poderosa porque o veterano ator Edward G. Robinson interpretou-o em precárias condições de saúde. Poucos dias depois das filmagens morreria de câncer.




Quanto a presença de traquitanas futuristas, há em Soylent Green um grande despojamento. Não existe grandes acréscimos nos armamentos e comunicações. Os telefones são bastante convencionais, bem como revólvers e metralhadoras. Os veículos também seguem esta economia.
Talvez escritores e roteiristas do começo da década de 1970 não imaginassem a revolução nas telecomunicações e informática que acontecereia nas décadas seguintes, em especial o salto entre o final do século XX e o início do XXI (e que permanece até hoje). Algo recorrente em muitas produções. Assim, não há nada que lembre minimamente um PC, celular, Notebook, Ipod, Smart Phones e Tablets. Se a criatividade humana não alçava grandes voos ou é uma opção estética, fica em aberto a questão.

Acredito que esta “pobreza” tecnológica seja intencional em Soylent Green, pois há um enorme abismo entre as classes. Não nos é mostrado muito do modo de vida dos poderosos, onde deve existir maior refinamento.
Quiçá a brutalidade e precariedade da vida em 2022 tenha atrofiado a inventividade dos cientistas e técnicos do futuro, onde questões básicas de sobrevivência sejam mais preementes do que o saber mais desinteressado e a ciência aplicada em campos menos imediatos.

O filme é uma adaptação, bastante livre segundo os críticos, de um romance de Harry Harrison, chamado Make Room! Make Room!(de 1966). No livro há uma exploração maior do tema do crescimento populacional. O roteiro do fime salienta mais a crise alimentar e a questão do suicídio assistido, além do direcionamento policial da trama. Não li o romance, embora exista tradução em português de Portugal, com o título de À beira do fim (nome que o filme recebeu em terras lusitanas), pelo Editorial Caminho. Analisando o filme em si mesmo, pareceu-me um roteiro bem construído.

Charlton Heston, em ótima forma e grande carisma, compõe um Robert Thorn cínico e humano (quando necessário). Com o fim dos grandes épicos, o ator protagonizou alguns clássicos da ficção científica de teor mais apocalítico e com grande carga de crítica social (em especial o pacifismo e a questão ambiental), como o Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, 1968,Franklin Schaffner) e A Última Esperança da Terra (The Omega Man, 1971, de Boris Sagal). A direção de Richard Fleischer (1916-2006) é bastante segura e o filme não merece reparo algum. Grande representante do cinema de gênero, o artesão Fleischer mereceria maior destaque e reconhecimento. Longe de ser um "autor", proporcionou grandes momentos na história do cinema. Seu trabalho anterior foi um ótimo drama policial, Os Novos Centuriões (The New Centurions, de 1971). Talvez o asfalto violento da Los Angeles deste filme tenha servido como balão ensaio para o clima desesperançado da distopia de Soylent Green.

Ficha técnica:

Título original: (Soylent Green) [br: No Mundo de 2020 / pt: À Beira do Fim]
Lançamento: 1973 (EUA)
Duração: 97 min.
Direção: Richard Fleischer
Roteiro: Stanley R. Greenberg
Edição: Samuel E. Beetley
Fotografia: Richard H. Kline
Música: Fred Myrow
Produção: Walter Seltzer, Russel Thacher
Distribuição: Metro-Goldwyn-Mayer

Elenco principal:

Charlton Heston(Detetive Robert Thorn)
Leigh Taylor-Young (Shirl)
Chuck Connors (Tab Fielding)
Joseph Cotten (William R. Simonson)
Brock Peters (Tenente Hatcher)
Paula Kelly (Martha Phillips)
Edward G. Robinson (Sol Roth)
Stephen Young (Gilbert)
Mike Henry (Sargento Kulozik)



terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ovídio - As Quatro Idades




“Para dominar o tempo e a história e satisfazer as próprias aspirações de felicidade e justiça ou os temores face ao desenrolar ilusório ou inquietante dos acontecimentos, as sociedades humanas imaginaram a existência, no passado e no futuro, de épocas excepcionalmente felizes ou catastróficas e, por vezes, inseriram nessas épocas originais ou derradeiras numa série de idades, segundo uma certa ordem.
O estudo das Idades Míticas constitui uma abordagem peculiar, mas privilegiada das concepções do tempo, da história e das sociedades ideais. A maior partes das religiões concebe uma idade mítica feliz, senão perfeita, no início do universo. A época primitiva – quer o mundo tenha sido criado, ou formado de qualquer outro modo - é imaginada como uma Idade de Ouro. Por vezes, as religiões perspectivam outra idade feliz, no fim dos tempos, quer como o tempo da eternidade, quer como a última época antes do fim dos tempos.
Em alguns casos, particularmente nas grandes religiões e civilizações, as Idades do Ouro inicial ou final estão ligadas por uma série de períodos. A evolução do mundo e da humanidade, ao longo desses séculos, é geralmente uma degradação das condições naturais e morais da vida.”
LE GOFF, Jacques “Idades Míticas.” In História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1994
p. 283

A primeira expressão coerente de uma sucessão de idades míticas encontram-se no poema Os Trabalhos e os Dias de Hesíodo (meados do século VII a. C.). Hesíodo mesclou dois temas: um mito das quatro idades com nomes de metais, por ordem decrescente de excelência e a lenda de uma Idade dos Heróis, entre a terceira e quarta idades.

Fundamentada nas concepções de Hesíodo, a Idade do Ouro de Ovídio (43 a. C -17/18? d.C.) apresenta as seguintes características: constitui um reino de paz, um regime anárquico sem poder, leis e propriedade privada, uma moral de inocência primitiva, com predominância do arcaísmo tecnológico, o vegetarianismo e a ausência do comércio, das viagens e do conhecimento dos metais preciosos. Ao lado do caráter mítico, toma corpo uma inspiração ética muito acentuada, com profunda difusão no imaginário medieval e renascentista.

A concepção de Ovídio da Idade do Ouro encontra-se no livro I das Metamorfoses [vv. 76-215]:


"De ouro é a primeira idade criada, que, sem nenhum vingador,
espontaneamente, sem lei, cultiva a fé e o bem.
Castigo e medo estavam ausentes e palavras ameaçadoras não
se liam no bronze fixo; nem temia uma turba suplicante
a face de seu juiz; mas sem vingador, estava em segurança.
Para ir ver o orbe peregrino ainda não descera
o pinheiro às límpidas ondas, cortado nos seus montes,
e os mortais não conheciam nenhom litoral além dos seus.
Fossos íngremes ainda não cingiam cidades fortificadas.
Não havia tubos de bronze reto nem cornos de bronze recurvo,
nem capacetes, nem espadas: sem uso do soldado,
as gentes, livres de cuidados, cumpriam mansos ócios.
Também a própria terra, livre de encargos, intacta, quanto
ao rastro e não ferida pelas relhas, por si mesma dava tudo.
E, contente com os alimentos criados sem nenhuma imposição,
colhiam frutos do medronheiro, e morangos das montanhas,
e cornisolos e amoras que se prendiam aos arbustos silvestres,
e glandes caídos das frondosa árvore de Júpiter.
A primavera era eterna e com brisas tépidas, plácidos
zéfiros acariciavam flores nascidas sem semente.
Em pouco tempo, mesmo a terra não arada produzia grãos,
e o campo não amanhado embranquecia-se de pesadas espigas.
Ao mesmo tempo que rios de leite, corriam rios de néctar;
e gotas de louro mel destilavam da árvore azinheira.
Depois que - enviado Saturno aos Tártaros tenebrosos -
estava o mundo sob Júpiter, surgiu a raça de prata
inferior ao ouro, mais preciosa que o fulvo bronze.
Júpiter reduziu a duração da antiga primavera, e
com invernos e verões e outonos desiguais
e, uma primavera curta, regulou em quatro estações o ano.
Então, pela primeira vez, abrasado com os secos ardores,
inflamou-se o ar; e, tocado pelos ventos acumulou-se o gelo.
Então, pela primeira vez, surgiam casas. Antros foram as casas,
e densas moitas, e ramos presos com a embira.
As sementes de Ceres, então, pela primeira vez, foram enterradas
em longos sulcos; e gemeram os novilhos, oprimidos pelo jugo.
Sucedeu-lhe uma terceira raça, de bronze,
mais feroz pelo caráter e mais disposta às horríveis armas;
não criminosa, entretanto. De duro ferro é a última.
Imediatamente; irrompeu na idade do pior filão
tudo o que é sacrílego: fugiram o pudor, a verdade e a fé.
No seu lugar, surgiram a fraude e o dolo
e as insídias e a força e o amor criminoso da posse.
As velas, abria-se aos ventos, nem bem os conhecem ainda,
o navegante; e depois de estarem muito tempo no alto dos montes,
saltaram as proas às correntes desconhecidas.
O solo, antes comum como a luz do sol sobre as brisas,
cauto, um agrimensor marcou-o com limites longos.
Não apenas searas e alimentos necessários ao rico
solo pediam, mas penetrou-se nas entranhas da terra,
e riquezas que escondera e aproximara das
sombras estígias foram extraídas – desencadeadoras de males -.
já o ferro nocivo e o ouro, mais nocivo que o ferro,
haviam surgido; surge a guerra, que luta com um e outro
e, com mão sangrenta, brande armas crepitantes.
Vive-se do roubo. O hóspede não está protegido do hóspede,
nem o sogro, do genro; até a harmonia dos irmãos é rara.
O varão ameaça de morte a esposa; ela, o marido.
Terríveis, as madastras misturam lúricos venenos.
O filho, antes do dia, conspira contra a vida do pai.
Vencida jaz a Piedade; e as terras úmidas de sangue derramado,
abandono-as a Virgem Astréia, último dos seres celestes."

Tradução Maria da Glória Novak
Fonte: NOVAK,Maria da Glória & NERI, Maria Luiza (org.) Poesia Lírica Latina. São Paulo: Martins Fontes, 1992 pp. 221-225


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Pantera Cor de Rosa Psicodélica.


Como primeira postagem do ano apresento um episódio da Pantera Cor de Rosa.Trata-se de "Psychedelic Pink", de 1968. A personagem apareceu nos créditos iniciais da comédia The Pink Panther, de 1963, dirigido por Blake Edwards, que conta as aventuras do Inspetor Clouseau. A vinheta foi elaborada por David DePatie e Fritz Freleng  e permaneceu presente nos demais filmes da série. Como a personagem agradou muito, acabou ganhando uma série de enorme sucesso com mais de 120 episódios produzida pelo estúdio De Patie-Freleng entre 1964 e 1980 . Utilizando elementos do cinema mudo e dos quadrinhos, a série cativa pelo seu humor predominantemente visual e situações surrealistas. Exigem certa atenção nos detalhes, as vezes rápidos, de uma cena. Os traços são simples e bem expressivos. A Pantera é muda (com exceção de dois episódios) e tem a graça de Carlitos. Contam-se nos dedos da mão os desenhos em que outros personagens tomam a palavra.
Nas décadas de 1980 e 1990 a série prosseguiu com algumas inovações, como a aparição de um casal de filhotes e outras panteras de cores variadas. Em 1993 ela ganha voz numa série que não agradou muito. No YouTube há desenhos mais recentes (se não me engano, de 2007 e 2008) em que segue o estilo da fase clássica, ou seja, sem palavras. Ainda não assisti estes novos desenhos, não sei se possuem algo encanto da série clássica, que permanece imbatível.