terça-feira, 28 de julho de 2009

Meus Cinco Melhores Álbuns de Heavy Metal

JUDAS PRIEST - Painkiller [1990]




METALLICA – Ride the Lightning [1984]





PARADISE LOST – Draconian Times [1995]





SOLITUDE AETURNUS – Through the Darkest Hour [1994]





IRON MAIDEN – Powerslave [1984]




Aqui estão cinco álbuns de metal que considero perfeitos. Discografia básica para todo bom fã ou colecionador. A maioria eu conheci no começo de minha adolescência, no longínquo final da década de 1980. Esta pequena seleção segue critérios de gosto pessoal e de importância na história da música pesada. Considero "Painkiller", obra-prima do Judas Priest, simplesmente perfeito, seja no timbre dos instrumentos, seja na composição das letras e das músicas. Obra influente e muito bem gravada (só rivalizando com o Black Álbum do Metallica). Um paradigma para quem deseja cultivar o gosto por música pesada de excelente qualidade (seja como musico ou simples ouvinte). Vale destacar o nível de exigência, entrosamento e capacidade de auto-superação dos músicos, principalmente após dois álbuns sem grande fôlego (Turbo, de 1986, e Raw it Down, de 1988, embora não sejam totalmente desprezíveis). "Ride the Lightning" é a consolidação do Metallica no campo do Thrash Metal. "Powerslave", do Iron Maiden, é um cd que beira a perfeição. Paradise Lost é outra banda indispensável e fundamental, e que não hesita em redimensionar seu som, dialogando com outras sonoridades da música pesada, sem renunciar suas características, (ainda que sofra incompreensão, ou mesmo ódio, de seus admiradores mais fervorosos). "Draconian Times" é uma de suas obras-primas. Finalmente "Through the Darkest Hour", trabalho mais completo do Solitude Aeturnus, banda que conheci no limiar do século XXI. Portanto, para quem aprecia classificações, temos aqui dois representantes do Metal Tradicional, um ícone do Thrash Metal(pelo menos nos primeiros álbuns), uma banda que nos primórdios possuía uma sonoridade próxima do Death Metal, embora agregasse elementos do Doom e mais tarde inauguraria o Gothic Metal e, finalmente, um digno representante da vertente do Doom Metal. Lacunas ? Algumas injustiças? Naturalmente muita coisa importantíssima ficou de fora, inclusive entre trabalhos de uma mesma banda. Por exemplo, hesitei muito entre o "Icon" e o "Draconian Times". "Painkiller" possui concorrentes excepcionais, como "Screaming for Vengeance" e "Defenders of the Faith". Já "Ride the Lightning" e "Master of Puppets" podem ser considerados irmãos gêmeos. "The Number Of The Beast", "Piece of Mind" e "Seventh Son of a Seventh Son" foram sacrificados. Muitos perguntarão sobre o Black Sabbath. Por ser o fundador (ou um dos fundadores, segundo alguns) do estilo ele vai merecer uma postagem própria. Com certeza, dói no coração ter deixado de fora Motorhead, Saxon, Slayer, Megadeth, Kreator, Bathory, Tiamat, Therion e tantos outros... Mas não é motivo para lamentações, ainda estou iniciando o blog. Em outra ocasião vou postar + cinco álbuns essenciais, além de incrementar esta seção, com cinco álbuns essenciais de Doom Metal, Thrash, Death, Gothic, Symphonic, Black, Prog etc...

domingo, 26 de julho de 2009

Selvagem/Civilizado: Sobre Jean Itard e o menino selvagem


No início do Consulado de Napoleão Bonaparte, virada do século XVIII para o XIX, um evento curioso chamou a atenção do médico Jean Itard (1774-1838): a descoberta, por um grupo de caçadores, de um menino, com idade entre 10 e 12 anos, de hábitos selvagens, errando pelas florestas de Caune, distrito de Aveyron, sul da França. Mudo, aparentemente surdo, alimentando-se de nozes,castanhas e raízes, isolado de todo convívio humano, e indiferente tanto as pessoas que lhe proporcionam algum afeto ou satisfação de necessidades, como também aos que o maltratam. Talvez, contemporaneamente, seria considerado "autista". O menino selvagem de Aveyron, como ficou popularmente conhecido, depois de várias peripécias, foi finalmente enviado à Paris. Sob os cuidados da Instituição Nacional dos Surdos-Mudos, onde foi confiada a guarda do menino, mediante o pagamento de uma pensão ao médico Itard e a governanta, Madame Guerin.
Itard escreveu dois relatórios, em 1801 e 1806, para prestar contas às autoridades ministeriais de Paris, dos resultados de seu empreendimento pedagógico. Bem escritos e muito detalhistas, estes textos tornam Jean Itard um dos fundadores da Educação Especial.

Contrariando os prognósticos negativos de Philippe Pinel, que considera o garoto "idiota" (no sentido da psiquiatria da época), portanto, irrecuperável, Jean Itard acredita que o menino pode ser educado e "civilizado". O menino recebeu o sugestivo nome de Victor.

Formado nos ideais político-sociais e na epistême do século XVIII, Itard tem como fundamentos teóricos a produção filosófica de John Locke, Condillac, além da medicina moral dos ingleses. Portanto,uma pedagogia fundamentada na observação e na experimentação para decidir que caminhos devem ser percorridos na educação do "selvagem", embora Itard reitere, no primeiro relatório, que adaptou os ensinamentos científicos e filosóficos às condições de educação de uma criança dita "anormal".

A partir das lições destes mestres, Itard constituiu estratégias de socialização: desenvolver a sensibilidade dos órgãos dos sentidos (visão, olfato, tato, paladar e audição), estimular Victor a participar da vida social, ensinar a falar, ler, escrever. Desenvolver noções de moralidade e justiça e proporcionar-lhe novos gostos e necessidades.

Entretanto, fazê-lo abandonar a vida primitiva e interiorizar novos hábitos não é tarefa fácil. Comportando-se mais como cientista do que preceptor, Itard não parece aprender com os imprevistos. Não parece admitir que pode estar errado em algum ponto. Operando a partir de conclusões de antemão, não pode deixar de mostrar descontentamento, no segundo relatório, texto bem pessimista, frente aos rudimentos de sociabilidade que Victor , já adolescente,"conquistou" (?). Na verdade Victor só assimilou automatismos comportamentais. Assim como suas preocupações com relação ao descomedimento, no tocante à sexualidade, se revelam infundadas. No entanto, a indiferença de Victor quanto a este e outros assuntos, ao mesmo tempo tranquiliza e decepciona o obcecado cientista.

"(...) o homem é apenas o que o fazemos ser" (p.125). Feita esta constatação, observamos a importância que Itard, apesar de seu arcarbouço naturalista, concede às relações de interdependência entre os indivíduos. Portanto, assim que foi colocado frente aos olhares de curiosos, cientistas ou não, a sociedade assumiu um compromisso com relação a Victor.

Qual é a importância da leitura e análise destes escritos para os dias de hoje?Por que e para que educar? Após a leitura destes relatórios uma das conclusões que podemos formar seria: ele já não estava"educado" daquela maneira, antes do contato com os adultos? Por que não deixar como estava antes?

O conceito de civilização, em nossa contemporaneidade, juntamente com seus correlatos progresso e evolução, tornou-se extremamente "antipático", politicamente incorreto, etnocêntrico (como se não existisse sociedade não-etnocêntrica) para muitos. Contudo a visibilidade crítica de um conceito pode obliterar um complexo de relações de poder e legitimidade dentro dos campos político, científico e pedagógico, encobrindo o que realmente está em jogo: um projeto de sociedade e de formação dos sujeitos.

Civilizar, dentro da polissemia de significados que o conceito de civilização proporciona pode, na linguagem e procedimentos da jurisprudência, designar um ato de justiça. Tornar-se civil, participar da vida pública. Portanto, o que uma boa educação deveria fazer: ensinar a ler, escrever, contar, interpretar, a se expressar em público, oferecer um repertório científico e cultural ... Provocativamente, civilizar uma pessoa. A meu ver, deixar Victor seguindo sua vida no meio da floresta seria uma monstruosidade. Ele estava adaptado ao meio, mas não era um ser humano pleno, educado, de modo que simpatizo com a iniciativa de Itard, embora com distanciamento crítico, pois cometeu os equívocos acima mencionados.

Existe um grande risco de se efetuar uma antropologia caricatural, um positivismo às avessas, cristalizando uma identidade que está na mente do pesquisador, do educador... sem confronto com o vivido, romantizando, assim, as condições de sobrevivência dos "excluídos", loucos, miseráveis, crianças e adultos, que habitam seus "abrigos" de papelão e tecido estragado embaixo de viadutos e outros lugares, dos iletrados e analfabetos funcionais fora da cultura predominantemente letrada onde é difícil viver sem um grau satisfatório de instrução .

Para empreender uma crítica (no sentido de percepção dos limites de um discurso) ao legado de Jean Itard podemos, evitando anacronismos, compreender suas práticas dentro de uma configuração social específica. Uma sociedade em bruscas mudanças, desencadeadas pela crise do Antigo Regime e pela Revolução Francesa. A ascensão do indivíduo e seus direitos (dentro dos limites da sociedade de classes). A ideia da escolarização pública e universal e a reorganização da vida familiar. Em resumo uma nova organização dos poderes e conflitos. Itard foi testemunha e participante de tudo isto. Um processo onde existiram erros e acertos, perdas e ganhos, ainda não devidamente avaliado.

A colonização da educação, em especial de crianças e adolescentes, pela psicologia e seus dogmas (e psicologismos), da frágil tensão entre autoritarismo e permissivismo, onde tudo deve ser quantificado e previsível, onde é preciso reinventar a roda a cada mudança de administração, também é uma influência sua (e de outros também), ainda que involuntária. Voltarei a escrever sobre este assunto com mais profundidade em outra postagem.


Os relatórios de Jean Itard foram traduzidos e publicados no Brasil pela Cortez Editora em 2000, sob o título A educação de um selvagem: as experiências pedagógicas de Jean Itard, Luci Banks Leite e Izabel Galvão (orgs.) precedido de seis ensaios analíticos.

Infelizmente o belo filme de François Truffaut "O garoto selvagem" , inspirado nos escritos de Itard, não está disponível em DVD no Brasil. Salvo engano, há um DVD de distribuidora portuguesa, com o consequente preço salgado e dificuldade de localizá-lo.

sábado, 25 de julho de 2009

Uma leitura do "Navio de Emigrantes".


A cada vez que é apreciada, vista e revista, a pintura "Navio de Emigrantes" de Lasar Segall (1891-1957) provoca impressões das mais contraditórias. Sentimentos de desalento, fragilidade e melancolia e, ao mesmo tempo um tênue fio de esperança com relação ao futuro dessas vidas tão precárias, que planejam começar tudo de novo em meio à destruição e saudade. Este entrelaçamento de sensações perpassa a mente do espectador.


"Navio de Emigrantes" é constituído por um corte da proa de uma embarcação sobre um fundo verde ondulado representando o mar, e uma sutil linha branca separando os dois espaços. A proa do navio destaca-se por sua significativa forma oval. Elipse protetora e que ao mesmo tempo aprisiona mais de uma centena de pessoas empilhadas ao longo deste espaço, dividido por linhas diagonais. Vigas de poder ambíguo, que delimitam espaços e desconstroem as situações.


O artista evita tonalidades quentes, construindo um colorido triste e silencioso, em tons terra e areia, evocando a proximidade da terra, que ainda não pode ser avistada do navio, numa variedade de marrons, cinzas, ocres e amarelos. Composição sem contrastes violentos, destacando certa luminescência dos rostos rosados e tristes e uns poucos detalhes brancos e tonalidades mais claras nas roupas dos emigrantes (onde predomina a cor de terra) chegando a ensaiar uma tímida luminosidade. Todavia um tom sombrio prevalecerá neste palco de dramaticidade tensa, porém contida.


Nesse cenário estão casais, famílias com crianças pequenas, anciães. uma variedade de tipos e faixas etárias e pessoas solitárias, porém sobressaindo uma presença maior de figuras femininas e maternais, sempre presentes na obra de Lasar Segall. De qualquer formas todos estão tentando se acomodar da melhor maneira possível: ajoelhados, sentados no chão ou em cima de sua bagagem, acocorados, encostados na parede, apoiando-se em seus pertences ou, recostados nas poucas cadeiras que existem, deitados em lonas estendidas no chão, ou em camas improvisadas em cima de caixas... Tudo em meio de cordas, correntes, barris, caixotes e metais num ambiente soturno e insalubre.


Muitos estão em repouso, exaustos, outros debruçados na amurada esquerda do navio. Todos de cabeças baixas, com os olhos fechados, lábios cerrados e ombros caídos; expressões cansadas, combalidas e melancólicas.


Rostos tensos, corpos frágeis e arredondados, guardando uma certa tridimensionalidade escultórica. Apesar de tudo, sempre conservando certa delicadeza e serenidade estóicas; entranhados num sonho interior.


O que estão sonhando? Um mundo melhor, sem miséria, violência, "pogroms" e outras manifestações de intolerância? Um lugar para onde não estariam viajando de maneira forçada, apenas para salvarem suas vidas (tanto no aspecto físico, quanto espiritual), a conhecer um universo estranho, o outro de maneira desigual e humilhante, sem contato entre civilizações de forma igualitária e afetiva, desarmada de constrangimentos? Estariam com saudades de sua terra natal, que provavelmente jamais voltarão a ver? Ou estariam, em seu íntimo, lutando para esquecê-la? Dentro deste útero imenso, que mundo novo estaria sendo gestado e surgiria através de um parto difícil, porém inadiável...


A identidade de emigrantes une e dá coesão a todas estas pessoas. Universaliza, sem padronizar, todas as particularidades culturais e religiosas. Não devem ser vistas apenas como representação de um grupo étnico. Naturalmente a pintura possui caráter autobiográfico. A condição judaica do artista, perseguições políticas e religiosas que ele presenciou e sofreu nas primeiras décadas do século XX. Inspirado em experiência pessoal, anotações de viagens e numa série de gravuras de metal, feitas entre 1928 e 1938 sobre os vários ângulos deste tema e, que serviram de ensaio para esta pintura. Produzida entre 1939 e 1941, início da II Guerra Mundial, evoca um genocídio que já havia começado havia muito tempo e que sempre foi denunciado em sua obra. Entretanto "Navio de Emigrantes" universaliza o tema, sintetizando de forma contundente aspectos da experiência autoritária do começo do século XX.


Os emigrantes não estão coisificados, despersonalizados. Apesar da fragmentação e da ausência de privacidade que as linhas e o espaço impõem estes personagens anônimos possuem subjetividade, sofrem, desejam, sentem frio e fome, dor e alegria. Tentam manter uma sociabilidade possível, mesmo imersos em seu mundo interior, lutando para acordar de um pesadelo que parece interminável e não chegarem derrotados ao seu destino incerto. Um homem toca alaúde, introspectivo, quase sozinho, absorvido pelas melodias de sua terra natal. Entretanto, poucos parecem estar interessados em apreciar sua arte.


A proa do navio também pode evocar a metáfora de uma prisão, com suas grades compostas por enormes vigas de madeira em diagonais que delimitam arbitrariamente os espaços. Paradoxalmente sua forma oval, elíptica, também sugere a ideia de ciclo que se fechou, destino traçado, irremediável, cruzes que todos devem carregar , ou um novo nascimento em meio a esta provação. No canto esquerdo uma jovem (viúva, talvez?) puxa seu filho pequeno pela mão esquerda, enquanto encosta a outra mão em sua face cansada, buscando um apoio imaginário ou algum conhecido que se dispersou pela embarcação, cercada por duas vigas, está quase isolada das outras pessoas do navio por causa do cruzamento destas linhas.


O que dizer dos respiradouros, que apontam para várias direções como se fossem grandes olhos vigilantes e inquiridores. Um labirinto onde tudo remonta à mesma cena, onde quer que a pessoa mire os olhos. Sugere um porão que o artista "elevou" ao convés para dar maior visibilidade à cena.


Dessa forma, a pintura é construída através destes fragmentos, os grupos de emigrantes, arrumados em forma piramidal, denotando certa verticalidade, a exemplo de suas escultural, que se unem num todo maior, em diversos níveis que coexistem. Várias fases e técnicas de sua obra se sobrepõem. Convivem a precisão dos vários estilos de gravura, a tridimensionalidade de sua escultura, a síntese geométrica de sua paisagem, numa linguagem que manteve-se fiel aos seus ideais políticos e estéticos.


Mostrando uma visão crítica da modernidade, embora não pessimista e desesperada, enfatizando os aspectos humanos, a desagregação, a miséria que por vezes ela pode provocar, apesar de seu projeto emancipador, que o autoritarismo e tecnocracia, seus filhos bastardos, interromperam. Uma chama de esperança luta para se manter acesa, sustentando-se num frágil equilíbrio, entre medo e destruição e possibilidades de renascimento e reconstrução.


É um documento que permite várias leituras, para as pessoas de nossa sociedade pós-moderna o "Navio de Emigrantes" coloca questões diferentes das que foram feitas para a sociedade brasileira da década de 1940, embora mantenha alguns pontos de contato, como luta contra o autoritarismo, a censura e a miséria, movimentos pela democracia e justiça social, as formas de percepção e engajamento são diferentes em nossa contemporaneidade fragmentada, contudo igualmente desigual e excludente para com as diferenças , como em outras épocas, frente aos seus persistentes e questionadores errantes.


Recomeço


Passei vários meses sem postar, apenas acrescentando alguns links que considero pertinentes à temática do blog. Escrever é uma grande responsabilidade. Gosto de garimpar as palavras mais adequadas, reescrever muitas vezes o texto que estou produzindo. Podando ramos de pensamento e escrita que são excessivos e não comprometem a compreensão da mensagem que desejo transmitir. Escolher sinónimos e antónimos. Certo grau de perfeccionismo teve seu peso e alguns surtos de timidez. O tempo em recolhimento e silêncio tornou-me mais seguro. Serei mais imprudente, deixando algumas idiossincrasias de lado, precauções medrosas, soltando os demônios do pensamento que venho nutrindo há tempos... germinando após longa hibernação.