segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Norbert Elias


"O sentido das palavras e o da vida de uma pessoa têm em comum o fato de que o sentido associado a elas por esta pessoa não pode ser separado do associado a elas por outras. A tentativa de descobrir na vida alguém um sentido independente do que essa vida significa para as outras pessoas é inútil. Na práxis da vida social a conexão entre os sentimentos de uma pessoa e a consciência de que eles são significativos para outros seres humanos, e de que os outros são significativos para esta vida, é fácil de descobrir. Nesse plano, normalmente compreendemos sem dificuldade que expressões como 'significativo' e 'insignificante', referidas a uma vida humana, estão intimamente ligadas ao que significa para os outros o que essa pessoa é ou faz. Mas, nas reflexões que a pessoa faz sobre si mesma, essa compreensão desaparece com facilidade. Aí o sentimento amplamente difundido nas sociedades mais desenvolvidas com seus membros altamente individualizados - de que cada um existe apenas para si mesmo, independente de outros seres humanos e de todo o mundo 'externo' - em geral acaba prevalecendo, e com ele a idéia de que uma pessoa deve ter um sentido exclusivamente seu. O modo tradicional de filosofar que vem junto com esse modo de pensar, muitas vezes obstrui a inclusão daquilo que é imediatamente evidente na prática - a participação da pessoa num mundo de outras pessoas e 'objetos' em reflexões de nível mais alto.

Todo ser humano vive de plantas e animais 'externos', respira ar 'externo' e tem olhos para luzes e cores 'externas'. Nasce de pais 'externos' e ama ou odeia, faz amigos ou inimigos de pessoas 'externas'. No nível da práxis social as pessoas sabem disso. Numa reflexão mais distanciada essa experiência é muitas vezes recalcada. Membros de sociedades complexas então têm frequentemente a experiência de si mesmos como seres cujo 'self íntimo' é totalmente separado do 'mundo externo'. Uma poderosa tradição filosófica parece ter legitimado essa dicotomia ilusória. Discussões sobre o sentido foram profundamente afetadas por isso. O 'sentido' é em geral tratado como mensageiro do 'mundo íntimo' de um indivíduo enclausurado.

O resultado, a distorcida auto-imagem de uma pessoa como ser totalmente autônomo, pode refletir sentimentos muito reais de solidão e isolamento emocional. Tendências desse tipo são bastante características da estrutura de personalidade específica das pessoas de nossa época em sociedades altamente desenvolvidas e do tipo particular de individualização que nelas prevalece. O permanente autocontrole, nesse caso está muitas vezes tão firmemente embutido nas pessoas que crescem nessas sociedades que é experimentado como uma muralha realmente existente, que bloqueia o afeto e outros impulsos espontâneos na direção de outras pessoas e coisas, afastando-as como consequência."

ELIAS, Norbert - A Solidão dos Moribundos, seguido de "Envelhecer e Morrer". Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001 pp. 65-67

Nenhum comentário: