Ayaan Hirsi Ali nasceu em Mogadíscio, Somália em 1969. Como criança pequena, ela foi submetida a mutilação genital feminina. Ao crescer, ela abraçou o Islã e esforçou-se para viver como muçulmano devoto. Mas ela começou a questionar aspectos de sua fé. Um dia, enquanto ouvia um sermão sobre as várias maneiras pelas quais as mulheres deveriam ser obedientes aos seus maridos, não podia resistir a perguntar: "Será que nossos maridos também nos obedecem?"
Em 1992, Ayaan fugiu para a Holanda para escapar de um casamento forçado. Lá, ela recebeu asilo, e com o tempo a cidadania. Ela rapidamente aprendeu holandês e conseguiu estudar na Universidade de Leiden, ganhando sua mestrado em ciência política. Trabalhando como um tradutor para imigrantes somali, ela viu em primeira mão as inconsistências entre a sociedade liberal, a sociedade ocidental e tribal, as culturas muçulmanas.
De 2003 a 2006, Ayaan foi membro eleito do parlamento holandês. Enquanto estava no parlamento, ela se concentrou em promover a integração de imigrantes não-ocidentais na sociedade holandesa e na defesa dos direitos das mulheres muçulmanas.
Em 2004, Ayaan ganhou atenção internacional após o assassinato de Theo van Gogh. Van Gogh havia dirigido seu curta apresentação do filme , um filme sobre a opressão das mulheres sob o Islã. O assassino, um muçulmano radical, deixou uma ameaça de morte por ela presa ao baú de Van Gogh.
Em 2006, Ayaan teve que se demitir do parlamento quando o então ministro holandês da Imigração decidiu revogar sua cidadania, argumentando que Ayaan induziu em erro as autoridades no momento de seu pedido de asilo. No entanto, os tribunais holandeses confirmaram que Ayaan era realmente um legítimo cidadão holandês, levando à queda do governo. Desiludido com a Holanda, posteriormente se mudou para os Estados Unidos.
Em 2007, Ayaan fundou a Fundação AHA para proteger e defender os direitos das mulheres nos EUA a partir de práticas tradicionais nocivas. Hoje, a Fundação é a principal organização que trabalha para acabar com a violência de honra que envergonha, machuca ou mata milhares de mulheres e meninas nos EUA a cada ano e coloca milhões de pessoas em risco.
Ayaan é um Fellow com o Futuro do Projeto de Diplomacia no Belfer Center for Science and International Affairs da Harvard Kennedy School, um estudante visitante do American Enterprise Institute em Washington DC e um membro do Conselho de Relações Exteriores. Ayaan está atualmente pesquisando a relação entre o Ocidente e o Islã. Ela tem que viver com segurança 24 horas por dia, como sua vontade de falar e seu abandono da fé muçulmana tornou-se um alvo de violência por extremistas islâmicos.
Ayaan Hirsi Ali foi nomeada uma das "100 pessoas mais influentes da revista TIME" de 2005, um dos Glamour Heroes de 2005 e European's Year's Year 's Reader's Digest de 2005. Ela é a autora mais vendida de Infidel (2007) e Heretic : Por que o Islã precisa de uma reforma agora (2015).
Fonte: https://www.hoover.org/profiles/ayaan-hirsi-ali
A libertação das mulheres é como uma grande casa inacabada. A ala
oeste já está
relativamente pronta. A maioria das que residem desse lado goza de
privilégios como direito
ao voto e a se candidatar. Temos acesso à educação e podemos nos
sustentar com o próprio
trabalho se assim desejarmos. Conseguimos convencer a maioria dos
legisladores deste lado
da casa de que a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro
são crimes pelos quais o
perpetrador deve ser castigado. Temos direitos reprodutivos sobre
nosso corpo e nossa
sexualidade; embora os pais, professores e líderes comunitários
orientem as meninas e moças,
eles não tentam coagi-las a aceitar um relacionamento com um homem
(nem, recentemente,
com outra mulher). Candidatos a consortes podem fazer de tudo para
atraí-las, mas têm de
engolir o próprio orgulho se forem rejeitados por uma delas.
Como ocorre com todas as casas, o lado oeste desta casa nem sempre é
administrado sem
turbulências. Em alguns casos, as regras da casa não são
defendidas. Queixas de violência
doméstica feitas por meninas são ignoradas, negadas, o perpetrador
é liberado com uma
advertência ou um castigo muito menos severo do que o mal causado
por ele. Outras mulheres
podem sentir que não recebem uma compensação financeira
equivalente à de seus colegas
homens que desempenham o mesmo trabalho; e outras se veem atingindo
um teto de vidro.
Assim, algumas mulheres tentam conferir à casa novas regras e
quebrar os tetos de vidro.
Mas, quando visitamos a ala leste, o que encontramos está num estado
muito anterior ao
inacabado. Partes da obra foram iniciadas e depois abandonadas, e
estão caindo em ruínas.
Em outras partes, sempre que uma parede é erguida, aparece alguém
com uma escavadeira e a
derruba. Naquilo que poderiam ser maravilhosos pátios há valas
comuns com meninas sem
nome que morreram porque não foram consideradas dignas de ser
alimentadas ou tratadas para
curar doenças comuns. Na ala leste as meninas são transportadas
pelos pais como se fossem
propriedade, muitas vezes quando são jovens, para satisfazer os
impulsos sexuais dos adultos.
Há meninas trabalhando a terra, apanhando água, pastoreando
animais, cozinhando e limpando
do raiar do dia ao pôr do sol sem receber nada por seus esforços,
enquanto outras são
espancadas impunemente pelos parentes mais próximos. Jovens moças
morrem durante o parto
porque lhes faltam os cuidados mais básicos de higiene e saúde.
Em certos rincões da ala leste, as mães nem sempre ficam alegres
quando descobrem que
estão grávidas. Um médico analisa que o feto em gestação será
um menino ou uma menina; se
for uma menina ele aceita o pagamento da mãe desgraçada e
interrompe a gravidez, e se ela
não puder pagar pelo aborto a criança, depois de nascer, é
sufocada ou abandonada para
morrer. O aborto de meninas é tão sistemático em certos cômodos
da ala leste que há um
grande número de rapazes que não encontram parceiras para casar.
Perto do centro da ala leste, a maioria das mulheres é expulsa dos
quartos coletivos e
corredores, e quando podem ser vistas estão invariavelmente cobertas
da cabeça aos pés com
peças escuras e feias. Se estupradas, elas devem arcar com o ônus
da prova, e em certos
quartos mulheres e meninas a partir dos treze anos de idade são
açoitadas e apedrejadas em
público até a morte por sua desobediência das questões sexuais.
No lado mais oriental da casa
algumas pessoas têm tanto medo da sexualidade de uma mulher que
cortam a genitália das
meninas, mutilando-as e marcando-as como sua propriedade.
Hoje em dia muitos habitantes da ala leste encontram o caminho que
leva ao outro lado da
casa, ainda que seja até o apertado quarto dos empregados. Na ala
oeste o destino das meninas
da ala leste parece muito distante. E enquanto as meninas da ala
oeste se mantêm ocupadas
com futilidades como a cor da pintura, o tamanho dos candelabros e o
formato da cerca viva
no jardim, para não falar naquele incômodo teto de vidro, homens da
ala leste reivindicam
para si quartos no oeste, dentro dos quais praticam seus hábitos
orientais.
Eu estaria sentada no meu escritório em Nova York, bem acima do
grande e intenso
burburinho da ala oeste, fantasiando que um dia as abastadas mulheres
do Ocidente se
reuniriam para fazer da libertação das cabanas na ala leste a sua
maior prioridade. Elas
avançariam para erguer um novo edifício da liberdade, da força e
da fartura para o Oriente,
derrubando os antigos barracos e abrindo as portas visíveis e
invisíveis da prisão, permitindo
às suas irmãs que vejam a luz do dia.
Esse é o meu sonho. Mas, francamente, não sei se as feministas
ocidentais têm a coragem e
a clareza de propósito para me ajudarem a torná-lo realidade.
Fonte: Nômade. Do islã para a América. Tradução: Augusto Pacheco Calil. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 pp.331-333