quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Tzvetan Todorov - Sobre arte, moral e justiça; fragmentos de Em face do extremo.



Crítico, filósofo, historiador, linguista e semiólogo, Tzvetan Todorov é um dos mais importantes intelectuais contemporâneos. Nascido em Sofia (Bulgária), em 1939, Todorov mudou-se para Paris no ano de 1963, frequentando os cursos de Roland Barthes. Professor e pesquisador do Centro de Pesquisa das Artes e da Linguagem e do Centro de Linguagem da Escola de Altos Estudos Sociais, ambos em Paris, também lecionou em várias universidades dos Estados Unidos, como Yale, Harvard, Columbia e Califórnia-Berkeley. Representante de um rigoroso método estruturalista, aplicado à literatura e à crítica literária, o pensamento de Todorov foi evoluindo para a análise cultural e da história das ideias. Suas reflexões abrangem temas relacionados à questão da alteridade,do racismo, da memória e da ética. Possui vasta obra, traduzida em diversas línguas. Destaco, entre outros, As Estruturas Narrativas.São Paulo: Perspectiva, 1970;Introdução à literatura fantástica. São Paulo:Perspectiva, 1975; A conquista da América: a questão do outro. Trad. Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 1983; O homem desenraizado. Tradução de Christina Cabo Rio de Janeiro: Record, 1996; O Espírito das Luzes. Editora Barcarolla,2008 tradução de Mônica Cristina Corrêa; A beleza salvará o mundo Tradução: Caio Meira, Rio de Janeiro: Difel, 2011.

"(...), porque a arte representativa aspira igualmente a nos revelar a verdade do mundo. Quando a história serve de ponto de partida para suas ficções, o poeta pode tomar liberdades com relação ao desenvolvimento exato dos fatos, mas para revelar sua essência oculta: aí está a superioridade da poesia sobre a história, diziam já os antigos."1
"Ao mesmo tempo, a obra de arte é também uma afirmação de valores, ela confirma, portanto, um envolvimento moral e político e a opção por estes valores só pode ser imputada ao artista: os fatos em si não detêm nenhum ensinamento, não são transparentes em relação a seu significado; é a interpretação que o artista dá que é responsável por esses julgamentos contidos na obra."2
"Há efetivamente uma dimensão moral, como vimos, na própria atividade do espírito e, portanto, na produção de uma obra de arte: há,por outro lado, uma amoralidade inerente ao gesto criador; uma vez que o artista não pode ser bem-sucedido a menos que se liberte de toda tutela dogmática e exterior."3

"(...)mal-entendidos distintos, que dizem respeito ao sentido e à própria extensão do termo 'moral'. No primeiro caso (a constatação de ausência), tomamos, parece-me, a espécie pelo gênero: do desaparecimento de uma forma de moral(de maneira geral, a que se cristalizava nas tradições) concluímos o desaparecimento da moral em geral. Ora, do modo como a compreendo, a moral não poderia desaparecer sem que produzisse uma mutação na espécie humana." 4

Para Todorov existem dois tipos de atividades humanas: as teleológicas e as intersubjetivas.
As teleológicas: "que se definem por sua finalidade,nas quais se parte de um projeto e se vai em direção da realização, pondo em prática diversas estratégias: ações que avaliamos segundo o resultado a que levam; sucesso ou fracasso; (...)
intersubjetivas: "ações que se definem pela relação que se instauram entre dois ou mais indivíduos e que poderìamos dizer,em sentido muito amplo, que sâo de comunicação, mas que correspondem tanto à compreensão quanto à imitação, ao amor tanto quanto ao poder, tanto à constituição de si quanto à do outro. (...)não se pode conceber a vida humana sem a presença simultânea das duas séries de atividades." 5

"A moral, tal como a entendo, é uma das dimensões constitutivas do mundo intersubjetivo; ela o impregna de parte a parte e constitui, ao mesmo tempo, seu ápice. Como é impossível imaginar a humanidade sem relações intersubjetivas, não podemos imaginá-las sem dimensão moral. Entendo por moral aquilo que nos permite dizer que uma ação é boa ou má. E falo de 'ápice' porque esses termos 'bem' ou 'mal' designam, de maneira quase tautológica e qualquer que seja a escola filosófica que defendamos, o que há de mais (ou menos) desejável nesse mundo de relações humanas. A ação mais louvável aí é, por definição, a ação moral. Um mundo privado de moral seria um mundo onde tudo, nas relações humanas, tornar-se-ia indiferente." 6

[as ações morais] "implicam que sejam acompanhadas do próprio sujeito da ação, um indivíduo(subjetividade), e que se dirijam a outros indivíduos (personalização). A amputação de um desses dois elementos produz uma dessas ações semelhantes à mral e, no entanto, muito distintas dela.
(...)se a ação é realizada pelo sujeito, e dirige-se não a outros indivíduos, mas a uma abstração qualquer, tal como a pátria, ou a liberdade, ou o comunismo, ou mesmo à humanidade, falamos de heroísmo ou de um de seus derivados." 7
"(...)para saber se uma ação heroica é moralmente louvável devemos saber se o destinatário humano está ausente, o heroísmo transforma-se em atos de bravata, se não de fanfarrice. (...) Se a ação está efetivamente dirigida a um ou vários indivíduos, mas não está acompanhada do próprio sujeito, que se contenta em enunciá-la (aconselhá-la, trata-se do moralismo.(...)ora, moralmente, não se pode exigir senão de si mesmo; a outrem só podemos dar (na dignidade, em que eu é, ao mesmo tempo, origem e destinatário da ação, há também estas duas instâncias: uma parte de mim dá, uma outra recebe).
"(...) A justiça não é nem subjetiva (submeter-se a ela é uma obrigação, não um mérito)nem pessoal (ela se dirige indiferentemente a todos os cidadãos, ou seja, a todos os seres humanos); mas pode reivindicar os mesmos princípios que a moral. 8

[Desse modo, segundo Todorov, a moral não se identifica com a justiça e nem com a política (que seria uma ação que visa instaurar a justiça, ou mais justiça, em um país. Assim a moral relaciona-se ao bem (e a reflexão sobre a moral algo relacionado à ordem da procura da verdade.]

Notas: 1.p. 299, 2. p.300, 3 p.301, 4 p. 324, 5 p.325, 6 p.325, 7 p. 327, 8 p. 328, todas do livro de Tzvetan Todorov, Em face do extremo.

Fonte:

TODOROV, Tzvetan Em face do extremo. Tradução de Egon de Oliveira
Rangel e Enid Abreu Dobránszky.Campinas, Papirus, 1995 (Coleção Travessia do
Século)




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