quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Hino a Ísis.



Ísis com sistrum, Museu Capitolino, Roma.
Um sacerdote sai do templo com um pote de purificação de água. Observe o sacerdote no centro conduzir os cantores. Em primeiro plano, um outro sacerdote oferece incenso à deusa de mil nomes.
Templo de Ísis, Pompéia.

Caro leitor, não confunda este texto com um homônimo "Hino a Ísis"1 disponível na blogosfera (por exemplo, aqui). O hino que transcrevo no Labirintos do Ser possivelmente é um texto do período helenístico ou romano. Assim com o Hino a Mithra, recorro à antologia Textos Sacros, da Abril Cultural. Novamente não é informada a fonte do escrito. A tradução ficou a cargo do Professor Antonio Flavio Pierucci, da FFLCH-USP. Talvez seja um dos quatro Hinos grego para Isis, escritos por Isidorus para em um templo de Fayum, no Egito, no início do século I a.C.

Os gregos identificavam Ísis à deusa Deméter. A história da deusa egípcia em busca do marido desaparecido era comparada àquela da divindade grega, que procurava sua filha Core. Seu culto foi muito estimulado no período helenístico, através da política dos Ptolomues, que proporcionaram um hibridismo entre a religião egípicia e a grega. A partir daí, teve enorme difusão na bacia do Mediterrâneo. Todavia encontrou certa hostilidade em Roma, devido a sua popularidade entre as camadas populares. O Senado Republicano ordenou várias vezes a derrubada de altares da deusa e outras divindades. Augusto proibiu a celebração dos rituais de Ísis no interior do pomoerium. Tibério ordenou a demolição do santuário da deusa e que sua estátua fosse lançada no Tibre. O Estado romano temia o caráter secreto das cerimônias e possíveis reivindicações das massas populares que a religião pudesse ocultar.

O culto encaminhou-se num sentido henoteísta 3, onde Ísis torna-se panthea, divindade única de muitos nomes. Assumia outras identidades, como Higéia, a saúde divinizada.

Junto a possibilidade de continuar a vida no além, o culto apresentava outros aspectos, que tornaram sua figura mais complexa e rica simbolicamente. Transfigurou-se em uma divindade cósmica, distribuidora de todos os bens, doce e maternal, que protege e salva.

Ísis representa o poder fertilizador na terra e na lua. Segundo o professor Walter Burkert“(...) creditam-se à Ísis poderes sobre o próprio destino, fatum: ela tem autoridade para deter a morte iminente e conceder uma nova vida, novae salutis curricula. Esse preciosíssimo dom de Ísis, o dom da vida é descrito tanto nas fontes egípcias gregas quanto nas versões gregas do culto. Mas significa claramente a vida neste nosso mundo. Deve ser uma “nova vida”, visto que a velha vida se desgastou e está a ponto de se romper; mas não é uma vida de uma outra ordem, sendo antes uma reposição para manter as coisas em andamento.” 2


Ísis, século II d.C , Coleção Farnese, Nápoles, Museo Archeologico Nazionalemármore, com restaurações do século XVIII,  na cabeça, braços e pés.

Hino a Ísis:

"Santa! Tu que, sem te cansares, velas pela salvação do gênero humano, sempre pródiga para com os mortais de cuidados que os reanimam, tu dispensas ao infeliz doce ternura de mãe. Não deixes passar um dia, uma noite, um instante sequer, sem prodigalizar teus benefícios, sem proteger os homens em terra e mar, sem afastar para bem longe as tormentas da vida, sem estender-lhes a mão protetora que desfaz as malhas mais complicadas da fatalidade, mão que acalma as tempestades da fortuna e domina o curso funesto dos astros. Os deuses do Céu te rendem homenagem, respeitam-te os deuses do inferno! Tu moves o mundo sobre seu eixo, acendes o fogo do Sol, governas o universo e calcas com teu pé o Tártaro. Os astros são dóceis à tua voz, as estações retornam à tua vontade, os deuses se alegram à tua vista, os elementos encontram-se às tuas ordens. Fazes um gesto, e as brisas se animam, incham-se as nuvens, germinam as sementes, multiplicam-se os feixes de trigo. Tua  majestade enche de santo pavor os pássaros que cortam o céu, os animais que erram pelas montanhas, as serpentes que se ocultam sob a terra, os monstros que nadam no mar. Porém, para pronunciar teus louvores, pobre demais é meu espírito. Para te oferecer sacrifícios, escassas demais as minhas posses. A voz me faltaria ao querer expressar os sentimentos que tua grandeza me inspira. Mil bocas não bastariam, nem mil línguas, nem mesmo se falassem sem esmorecimento, por toda a eternidade! Mas pelo menos terei o cuidado de fazer tudo aquilo de que é capaz, em sua pobreza, um fiel piedoso: teus traços divinos, tua pessoa sagrada, eu os guardarei para sempre fechados em meu coração, e em espírito os contemplarei."

Notas:


1. O hino ficou muito popularizado quando o escritor Paulo Coelho citou-o em seu livro "Onze minutos". Trata-se de um texto da Biblioteca de Nag Hammadi,provavelmente escrito entre os séculos II IV d.C; mais precisamente do Códice VI,2 denominado Bronté (Trovão ou Espírito Perfeito). Constitui um monólogo onde Bronté, uma personagem feminina, expõe em primeira pessoa maravilhas nela reveladas. Remete à Sabedoria hipostasiada do Antigo Testamento e as aretalogias de Ísis. Daí o nome "Hino a Ísis", embora seja uma correlação incerta, no estado atual dos conhecimentos.
2. BURKERT,Walter Antigos cultos de misterio. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Edusp, 1992, p. 30.
3. Isto é, a crença em um deus único, mesmo aceitando a existência possível de outros deuses. Pode designar também a uma personificação (entre outras) do Deus supremo,ou ainda atribuir a esse Deus o poder de assumir múltiplas personalidades.


Bibliografia:


BURKERT,Walter Antigos cultos de misterio. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Edusp, 1992
SCARPI, Paolo Politeísmos: as religiões do mundo antigo. Tradução: Camila Kintzel São Paulo: Hedra, 2004
VVAA. Textos Sacros. São Paulo: Abril Cultural, 1973, pp. 187-188

Isis recebe Io para o Egito.  afresco do Iseum em Pompéia, agora preservado, em Nápoles.
rito isíaco, afresco de Herculanum.
Sistros, instrumentos de percussão.


moedas com representações de Ísis.

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