Mithra (ou Mithras ou também Mitra) foi um deus popular no Império Romano entre os séculos II e IV da Era Cristã. Seu culto foi mais intenso nas regiões fronteiriças, tais como ao longo dos rios Reno e Danúbio, no norte da África e em Roma e no porto romano de Óstia. Talvez, o mitraísmo tenha se espalhado do oriente do império para o ocidente,com a movimentação das tropas, pois inicialmente ele foi cultuado por legionários que conheceram o culto da divindade Mithras como parte do zoroastrismo nas províncias orientais do império, especialmente na Ásia Menor (atual Turquia moderna). Tolerado pelo Estado o culto era popular entre soldados, funcionários, comerciantes. As mulheres eram excluídas das cerimônias. A espiritualidade mitraica era ascética e disciplinada.
Mithras é o nome romano para o deus Indo-iraniano Mitra , ou Mithra, como era chamado pelos persas. Mitra faz parte do panteão hindu, e Mithra é um dos vários Yazatas (divindades menores), sob Ahura-Mazda no panteão zoroastriano.No Irã, Mithra é associado a Ahura (Senhor) que após o advento do Zoroastrismo torna-se Ahura-Mazda. Mithra é o deus da luz e intermediário entre o céu e a terra, mas ele também está associado com a luz do sol, e com contratos, promessas, pactos e mediações. Nem no hinduísmo, nem no Zoroastrismo Mitra / Mithra tem seu próprio culto. Mitra é mencionado nos Vedas hindus, enquanto que Mithra é o tema de Yashts (hinos) no livro zoroastriano Avesta , um texto compilado durante o período de Sassanida ( 224 - 640 dC), que preserva uma tradição oral muito mais antiga.
É desconhecida a presença desta religião de mistérios ligada à Mithra no período helenístico e no tempo anterior ao século II d.C. O que reforça a tese de que os soldados foram o seu principal vetor de difusão no Império Romano. No entanto, se de fato existiam conexões reais entre o Mithra romano e o Zoroastrismo persa é um tema que divide os especialistas. É certo que o mitraísmo não era um rival/concorrente do cristianismo. Embora ambas religiões abrangessem fiéis de diversas camadas da sociedade romana, o fator de impedimento da participação feminina limitava sua propagação. Enquanto no cristianismo primitivo,a participação das mulheres era mais efetiva. Com as restrições aos cultos pagãos no final do século IV, o mitraísmo foi aos poucos desaparecendo.
O culto romano de Mithra é conhecido como uma “religião de mistério”, o que significa dizer que seus membros mantiveram a liturgia e as atividades de culto em sigilo, e mais importante, que eles tinham que participar de uma cerimônia de iniciação para se tornar membros da religião. Desse modo, não há nenhum texto sobrevivente central do mitraísmo análogo à Bíblia cristã ou ao Talmude judaico, por exemplo, assim como não há nenhum texto que descreva a liturgia.
As evidências deste culto, portanto, são na maior parte arqueológicas, compostas de restos de templos mitraicos, inscrições dedicatórias e representações iconográficas do deus e outros aspectos do culto em escultura de pedra, relevos, ex-votos, pintura mural e mosaico. As evidências textualis são extremamente escassas e fragmentadas. Quando aparecem, estão muito filtradas por idealizações e preconceitos, tanto de autores pagãos quanto de cristãos primitivos, como Pseudo-Plutarco, Porfírio, Justino.
A estrutura do culto era hierárquica.Circunscrito somente aos homens, seus membros passavam por uma série de sete graus, cada qual com um símbolo especial e um planeta tutelar.Do menor para o maior destes graus foram Corax (Corvo, sob Mercurio), Nymphus (versão masculina de ninfa, sob Vênus), Miles (o soldado, sob Marte), Leo (o leão, sob Júpiter), Perses ( o persa, sob Luna, a lua), Heliodromus (mensageiro do Sol) e, finalmente, Pater (pai, sob Saturno). Aquele que atingia o grau mais alto, Pater , poderia se tornar o chefe de uma congregação. O progresso de grau em grau relacionava-se à ascensão das almas através das esferas planetárias.
Os templos mitráicos romanos, denominados Mithraeum (ou Mitreu), foram construídos de forma a conservar, artificialmente, o aspecto de uma caverna natural (a caverna cósmita que imitava o universo, simbolizando a cúpula do céu, ou o cosmos.); simulação que se completava através de pedras espalhadas em torno do lugar onde era colocada a imagem do deus. Mithra era considerado o criador e pai de todos, salvador dos homens. O ponto central do Mithraeum consiste num relevo ou escultura que mostrava Mithra sacrificando o touro (tauroctonia). A cena do sacrifício seguia geralmente este esquema:
Mithra está vestido com uma túnica, calça, capa e um barrete frígio. Metade do corpo de frente para o espectador, enquanto a outra metade abrangendo a parte traseira de um touro, puxa a cabeça do animal por suas narinas com a mão esquerda, e mergulha em um punhal no pescoço do touro com a direita.Várias figuras cercam este acontecimento dramático. Um cão lambe o sangue escorrendo da ferida e um escorpião ataca os testículos do bovino. Muitas vezes a cauda do touro termina em espigas de trigo e um corvo está empoleirado nas costas do touro, ou em algum suporte próximo à Mitra.À esquerda do espectador está uma figura masculina chamada Cautes, vestindo o traje igual ao de Mitra e erguendo uma tocha acesa. Acima dele, no canto superior esquerdo, é o deus Sol, no seu carro. À esquerda do espectador, há outra figura masculina, Cautopates, que também é vestida como Mithras é e segura uma tocha que está apagada e apontada para baixo. Há uma serpente e um copo. Acima de Cautopates, no canto superior direito está a Lua. Esta configuração é quase sempre presente, porém, há variações, dos quais o mais comum é uma linha adicional de signos do zodíaco ao longo do topo da cena do sacrifício.
Cada figura e elemento na cena se correlacionam com constelações específicas, aos sete planetas reconhecidos pelos antigos romanos, e para a posição destes em relação ao equador celeste, particularmente na época dos equinócios e os solstícios. Há representações de outras divindades e cenas, como Mithras nascendo de uma rocha, Mithras segurando esfera cósmica e a rotação do zodíaco, Mithras como Atlas e a representação de um deus com cabeça de leão, de pé sobre um globo em que está marcada com a cruz que representa dois círculos do zodíaco e o equador celeste, entre outras.
A tauroctonia foi interpretada de formas diversas por estudiosos das religiões orientais e clássicas e provavelmente pelos diferentes mitraístas, como ato de criação, ou de salvação, e também de significação astrológica esotérica. Algo ligado a fertilidade do solo também está presente.
Copiei o presente trecho de um "Hino a Mitra" da antologia "Textos Sacros.", que pertence a coleção "As Grandes Religiões" que a Abril Cultural publicou no começo da década de 1970. Não há uma indicação da fonte original, seja primária ou secundária. Não tenho muitas dúvidas de que seja um fragmento do Avesta relacionado a Mithra, pois comparei com os escritos do zoroastrismo compilado neste site: http://www.avesta.org/
HINO A MITHRA
“Nós honramos a Mitra,
verídico e sábio, de mil orelhas,
perfeito com dez mil olhos,
o deus erguido ereto, que não dorme e está sempre vigilante (…)
Nós honramos a Mitra (…)
a quem os guerreiros em marcha,
sobre o lombo de seus cavalos, sacrificam,
pedindo vigor para as guarnições,
para os corpos, saúde,
rogando-lhe que por toda a parte espie os inimigos,
abata os malfeitores,
dizime os guerreiros adversários
empenhados em causar danos.(…)
Nós honramos a Mitra (…)
que sustenta as colmatas dos altos edifícios
e os torna sólidos, inabaláveis. (…)
“Tu, Mitra, és o mal,
e o melhor dos bens para as regiões,
como também o és para os homens. (…)
Tornas gloriosas as casas por suas mulheres,
gloriosas por seus carros,
belos pelos tapetes que as enfeitam,
pelas almofadas aí dispostas; enormes.
Fazes também gloriosa e bela e segura
a morada as quem, fiel à lei,
te presta culto invocando teu nome,
pronunciando as palavras adequadas,
apresentando-te oferendas como convém.
Eu quero te honrar,
invocando teu nome,
pronunciando as devidas palavras,
fazendo-te oferendas, ó poderoso Mitra!
Também eu quero te honrar por este culto,
ó benfazejo Mitra, também eu quero te honrar,
ó tu, a quem não se pode enganar. (…)
“Honramos a Mitra (…)
Deus do elmo de prata,
couraça de ouro, punhal na mão,
valente, guerreiro, senhor das vidas!
Brilhantes são os caminhos de Mitra
quando ele percorre a região
e transforma os desfiladeiros em campos férteis.
Ele circula por seus domínios,
governando como quer os rebanhos
e os homens que lhe pertencem. (…)
Nós honramos a Mitra (…)
que vem para as regiões.
Honramos a Mitra que está no seio das regiões.
Honramos a Mitra que está acima das regiões,
Mitra que está abaixo, adiante e atrás das regiões (…)
Por estas bençãos quero
prestar honra e glória, poder e força
a Mitra das vastas campinas,
a Mitras que tem mil orelhas e dez mil olhos! (…)
Bibliografia:
BURKERT,Walter Antigos cultos de misterio. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Edusp, 1992
HINNELLS, John R. (Org.) Dicionário das Religiões. Tradução: Octávio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 1989
SCARPI, Paolo Politeísmos: as religiões do mundo antigo. Tradução: Camila Kintzel São Paulo: Hedra, 2004
VVAA. Textos Sacros. São Paulo: Abril Cultural, 1973 pp. 186-187 [tradução do Hino a Mitras pelo Prof. Antônio Flávio de Oliveira Pierucci]
e
http://www.well.com/user/davidu/mithras.html [MITHRAISM: The Cosmic Mysteries of Mithras]
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