Humanidade posta ante abismos de chama,
Um rufo de tambores, frontes de guerreiros tenebrosos,
Passos pela névoa de sangue; negro ferro exclama;
Desespero, noite em cérebros pesarosos;
Aqui a sombra de Eva, caça e rubra dinheirama;
Nuvens que a luz atravessa, vespertina refeição.
Em pão e vinho deve um doce silêncio residir.
E aqueles lá reunidos, doze são.
À noite sob ramos de oliveira gritam ao dormir;
São Tomé mergulha na ferida a mão.
NASCIMENTO
Montanhas: negror, neblina e neve.
Vermelha, a caça desce a floresta;
Oh, os olhares de musgo da presa.
Silêncio da mãe; sob pinheiros negros
Abrem-se as mãos dormentes
Quando, vencida, aparece a fria lua.
Oh, o nascimento do Homem. Noturna murmura
A água azul no fundo da rocha;
O anjo decaído olha em suspiros sua imagem,
E pálido corpo desperta em câmara úmida.
Duas luas
Iluminam os olhos da anciã pétrea.
Dor, grito que dá à luz. Com asa negra
A noite toca a têmpora do menino,
Neve que desce de nuvem purpúrea.
Oh, a loucura da cidade grande, quando ao entardecer
Árvores atrofiadas fitam inertes ao longo do muro negro
Que o espírito do mal observa com máscara prateada;
A luz, com açoite magnético, expulsa a noite pétrea.
Oh, o repicar perdido dos sinos da tarde.
A puta, em gélidos calafrios, pare uma criança morta.
A cólera de Deus chicoteia enfurecida a fronte do possesso,
Epidemia purpúrea, fome que despedaça olhos verdes.
Oh, o terrífico riso do ouro.
Mas quieta em caverna escura sangra muda a humanidade,
Constrói de duros metais a cabeça redentora.
Para Adolf Loos
A mãe teve a criança sob a lua branca,
À sombra da nogueira, do sabugueiro secular,
Embriagada pela seiva da papoula, do lamento do melro; .
E silencioso
Sobre elas inclinava-se piedoso um rosto barbado,
Discreto, na escuridão da janela; e velharias
Dos antepassados
Jaziam podres. arnor e fantasia outonal.
Escuro o dia do ano, triste infância,
Quando o rapaz desceu às águas frias, peixes prateados,
Quietude e semblante;
Quando petrificado jogou-se aos corcéis em disparada,
E em noite cinzenta sua estrela vinha sobre ele.
Ou quando pela mão fria da mãe
À tardinha passava pelo outonal cemitério de São Pedro;
Um frágil cadàver jazia inerte no escuro da câmara
E erguia sobre este as pálpebras geladas
Mas ele era um pequeno pássaro em galhos nus,
O sino ao longo do novembro da noite,
O silêncio do pai, dorrnindo ao descer a espiral crepuscular.
Paz da alma. Noite de invemo solitário,
As escuras sombras dos pastores no velho lago;
Criança na cabana de palha; quão discreta
Baixava o rosto em febre negra.
Noite sagrada.
Ou quando pela bruta mão do pai
Subi em silêncio o sinistro Monte Calvário
E em crepusculares nichos dos rochedos
A figura azul do Homem passava pela sua lenda,
E da ferida sob o coração corria o sangue purpúreo.
Oh, com que leveza erguia-se a cruz na alma sombria.
Amor; quando em recantos escuros derretia a neve,
Uma brisa azul aninhava-se alegre no velho sabugueiro,
Na abóbada de sombras da nogueira;
E à criança aparecia devagar um anjo rosado. .
Alegria quando em quartos frios soava uma sonata noturna
Nas vigas de madeira marrom '
Saía da crisálida prateada.
Oh, a proximidade da morte! Em muro de pedra
Inclinava-se uma cabeça amarela, a criança muda,
Quando naquele mês de março caía a lua.
Róseo sino de Páscoa na abóbada tumular da noite
E as vozes prateadas das estrelas
Fizeram descer da fronte do adormecido uma sombria loucura
[em calafrios.
Oh, tão silencioso um passeio pelo rio azul abaixo
Lembrandoo esquecido, quando nos galhos verdes
O melro chamava ao ocaso um desconhecido.
Ou quando pela magra mão do ancião
Passava à noite ante o muro em ruínas da cidade
E aquele de casaco negro levava uma criança rosada,
E à sombra da nogueira aparecia o espírito do mal.
Tatear os verdes degraus do verão. Oh, tão silenciosa
Ruína do jardim no silêncio marrom do outono,
Odor e melancolia do velho sabugueiro,
Quando na sombra de São Sebastião expirava a voz prateada do anjo.
AMÉM
Decomposição deslizando pelo quarto podre;
Sombras no papel de parede amarelo; em escuros espelhos se
Curva a tristeza ebúrnea de nossas mãos.
Pérolas marrons correm pelos dedos falecidos.
No silêncio
Abrem-se azuis os olhos-papoula de um anjo.
Azul é também a tarde;
O momento de nossa morte, a sombra de Azrael,
Que escurece um jardinzinho marrom.
Há um restolhal, onde cai uma chuva negra.
Há uma árvore marrom;ali solitária.
Há um vento sibilante, que rodeia cabanas vazias.
Como é triste o entardecer
Passando pela aldeia
A terra órfã recolhe ainda raras espigas.
Seus olhos arregalam-se redondos e dourados no crepúsculo,
E seu colo espera o noivo divino.
Na volta
Os pastores acharam o doce corpo
Apodrecido no espinheiro.
Sou uma sombra distante de lugarejos escuros.
O silêncio de Deus
Bebi na fonte do bosque.
Na minha testa pisa metal frio
Aranhas procuram meu coração.
Há uma luz, que se apaga na minha boca.
À noite encontrei-me num pântano,
Pleno de lixo e pó das estrelas.
Na avelãzeira
Soaram de novo anjos cristalinos.
GRODEK
Ao entardecer, as florestas outonais
ecoam de armas mortíferas, e as planícies douradas
e os lagos azuis, por sobre os quais rola
um sol sombrio; a noite abraça
guerreiros moribundos, o lamento selvagem
das suas bocas destroçadas.
Mas, em silêncio, num fundo de salgueiros,
juntam-se nuvens rubras, onde um Deus irado habita;
e o sangue derramado, e frescura lunar;
todos os caminhos desembocam em negra podridão.
Sob dourada ramagem da noite e sob estrelas
a sombra da irmã vacila pelo bosque de silêncio,
para saudar os espíritos dos heróis, as cabeças
ensangüentadas;
e levemente, nos canaviais, soam as flautas sombrias do
outono.
Oh, dor orgulhosa! Vós, brônzeos altares,
Uma dor portentosa alimenta hoje a chama escaldante do
espírito,
Os filhos que ainda hão-de nascer.
Todas as traduções são de Cláudia Cavalcanti, do livro De Profundis e outros poemas, antologia do poeta publicada pela editora Iluminuras, com exceção de "Grodek", traduzido por João Barrento. As ilustrações são de Grzegorz Kmin, artista polonês contemporâneo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário