O caso envolvendo a adolescente Isabella Diamantino, de 16 anos, aluna de uma escola particular de Uberaba1 (MG) impedida de assistir aulas2, há pouco mais de quinze dias, devido a pintura azul de seu cabelo pode ser elencando como mais um exemplo de “tempestades em copo d'água” ou oportunidades desperdiçadas de discussão pública que permeiam o campo educativo na contemporaneidade.
A curiosa justificativa do colégio era de que o cabelo "deve estar dentro da normalidade racional". Se deduz que exista alguma "anormalidade racional" (que confrontaria hábitos arraigados e que não se sabe para que servem) e também uma "anormalidade irracional" (esta deixo para a imaginação dos leitores). Por fim aparece o sigelo "ou se enquadrava ou não poderia entrar mais...". Dito e feito, os pais da garota decidiram procurar outra escola.
A presidente do Sinepe/TM (Sindicato de Escolas do Triângulo Mineiro ficou do lado do colégio uberabense com o infalível(mas nem sempre ético e justo)"a vontade da maioria", argumentando (?)que "Um grande número de pais e alunos pode não considerar normal o cabelo azul da criança" concluindo com chave de ouro "E eu acho que a gente tem de ir pela maioria."
Não custa lembrar que a reportagem é resultado de uma edição, para não ficar demasiado extensa ou repetitiva (e outros critérios nem sempre muito claros e confessáveis). Todavia, a equipe gestora do colégio não se aproveitou muito do direito ao contraditório, optando por não se manifestar a respeito do assunto.
De qualquer forma, o assunto não chamou tanto a atenção, pois depois seria soterrado pelas coberturas do julgamento de Lindemberg Alves Fernandes, da menininha morta pelo jet ski, novidades na disputa pela prefeitura de São Paulo entre outros...
A meu ver o imbróglio acaba servindo de alimento de um lado, para um discurso anti-escola (de esquerda?), que vê em cada acontecimento na instituição uma conspiração anti-libertária e violência contra os inocentes, do outro lado é combustível para uma visão que, a qualquer preço, intenta transformar o dispositivo escolar numa extensão do mundo corporativo, anexo da empresa, ou numa linguagem mais polida “empreendedorismo”. Daí é um pequeno passo para a enunciação da escola deve “preparar para a vida” (ou seja, adestras para o mercado), "promover a cidadania" (esvaziada de seu sentido político, apenas num sentido voluntarista e eleitoreiro), entre outros slogans. Do mesmo modo, vem o discurso “cientificamente correto” clamando a adoção de novas traquitanas pedagógicas, tranformando a escola numa espécie de lan house ou extensão de programas de auditório.
Finalmente, há o dilema (ou melhor, um pseudoproblema) entre a cultura e a vida. Em condições ideais, sem injunções da sociedade, a escola deveria operar uma “quarentena” da “vida” imediatista, um distanciamento e um questionamento do que é posto diante de nossos olhos. Enfim, ocupar-se da cultura, o que foi historicamente produzido e acumulado pela humanidade, a cultura humanistica, literária e científica a ser transmitida, apreciada e reelaborada...
Pode-se aventar a hipótese de que a cultura juvenil que sustenta a preferência pelo cabelo tingido de azul contenha elementos que estejam relacionados a sexualidade mais precoce 3. Quiçá associado a animes eróticos. Não me recordo de ter lido algo assim, mas que exista alguém a pensar desta forma, não duvido. Talvez exista algum risco de misturar componentes químicos que causem irritação no couro cabeludo, das mais leves às lesões graves, uma preocupação relevante. No mais, a origem deste costume é complexa, envolvendo mistura de elementos da cultura gótica, clubber, emo, personagens de mangás e animes, modelos, atrizes de cinema, cantoras...
A pertinência de determinadas sanções e normas de convivência na instituição escolar (bem como em outras instituições humanas) não está em discussão. O que é important é como realizar isto sem estilhaçar o aluno como sujeito moral, ou em outras palavras, dar um sentido, um porquê de sua função. Do contrário, vai parecer algo sem significado, um capricho, e produzir resultados adversos,ampliando resistência à indiferença frente a cultura escolar.
Talvez seja um habitus persistente, secular, mas muito poderoso, relativo a “boa apresentação e/ou aparência” , análogo ao tempo em que era imprescindível, obrigatório, trajar roupa social em certos eventos e lugares. Talvez esta seja uma motivação implícita na atitude da equipe gestora do colégio.
Entretanto, no que prejudica o desempenho escolar ou profissional o tipo de cabelo? Seria o corpo discente tão distraído e volúvel que a aparência diferente da colega seria um empecilho à concentração? Se for esta a preocupação, então o nível de atenção e comprometimento destes alunos seria algo inacreditável...
Com o exotismo da notícia, fica postergada a meditação mais ampla sobre o sentido que se quer dar à educação no século XXI,e de como formar um sujeito livre, que não esteja à mercê do radicalismo estéril, das pseudonecessidades induzidas pelo mercado e industria cultural.
1. Trata-se do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, em Uberaba. No site da instituição, no tópico Missão, Visão e Valores lemos o seguinte: "Sabemos que educação é mais do que instruir. A educação é tornar as pessoas livres para fazerem suas escolhas com consciência e capacitá-las a participar ativamente da sociedade na qual estão inseridas. Para que isso se torne realidade, é fundamental um ensino inovador e uma abordagem multidisciplinar baseada em problemas que desenvolvam as habilidades e competências compatíveis com as demandas econômicas e sociais." Ou que a escola tenciona " Oportunizar a formação de cidadãos críticos e reflexivos, com efetivo compromisso de responsabilidade social, para uma vivência pautada na justiça, na verdade e na solidariedade." De que forma a coloração do cabelo estaria ferindo estes ideais?
2. Pode ser encontrada aqui .
3. Algo que pode ser associado à grotesca e autodestrutiva cultura(?)do funk, que realmente amesquinha a existência humana, com a degradação da mulher, sugestões de pedofila, apologia à violência e homofobia. Entretando, educadores politicamente corretos não notam algo negativo nisto tudo...
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