A imaginação não é,
como sugere a etimologia, a faculdade de formar imagens da realidade;
é a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade, que
cantam a realidade. É uma faculdade de sobrehumanidade. Um
homem é um homem na proporção em que é um super-homem. Deve-se
definir um homem pelo conjunto das tendências que o impelem a
ultrapassar a humana condição. Uma psicologia da mente em
ação é automaticamente a psicologia de uma mente excepcional, a
psicologia de uma mente tentada pela exceção: a imagem nova
enxertada numa imagem antiga. A imaginação inventa mais que coisas
e dramas; inventa vida nova, inventa mente nova; abre olhos que tem
novos tipos de visão. Verá se tiver “visões”. Terá visões se
se educar com devaneios antes de educar-se com experiências, se as
experiências vierem depois como provas de seus devaneios. Como diz
D'Annunzio:
“Os
acontecimentos mais ricos ocorrem em nós muito antes que a alma se
aperceba dele. E, quando começamos a abrir os olhos para o visível,
há muito já estamos aderentes ao invisível.”
Essa adesão ao
invisível, eis a poesia primordial, eis a poesia que nos permite
tomar gosto por nosso destino íntimo. Ela nos dá uma impressão de
juventude ou de rejuvenescimento ao nos restituir inintewrruptamente
a faculdade de nos maravilharmos. A verdadeira poesia é uma função
de despertar.
BACHELARD,
Gaston A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da
matéria. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins
Fontes, 1998 (Tópicos) pp. 17-18
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