"Carlos: Você explorou muito material de Freire. Qual seria a sua
principal crítica à abordagem freireana? Qual a ideia que mais o
impressionou?
Michael: Existem poucas pessoas de quem eu gostaria de ser aluno e
Freire é uma delas. Ele é alguém que tenho o orgulho de conhecer.
.as como em relação a todas as pessoas, existem certas coisas que
temos que criticar. Temos a tendência de criar deuses. Sei que isso
é desconfortável para Freire. Quando estive no Brasil, tornou-se
bastante claro para mim que existem muitas pessoas progressistas que
também discordam dele, e um dos desserviços que penso que
prestamos, quando criamos deuses, é que esquecemos que existem
debates sobre o seu trabalho, em sua própria nação. Portanto, a
primeira coisa que gostaria de sugerir é a que descobríssemos quais
são as discussões sobre as teorias pedagógicas de Freire, onde
elas ocorreram. Deste modo, podemos ter certeza de que não importam
ideias que poderiam ser reforçadas por suas relações com aquelas
múltiplas tradições originárias, por vezes conflituosas.
Poderíamos então compreender melhor seus pontos fortes e suas
fragilidades, colocando-nos numa posição de não vê-las apenas
como recursos políticos/pedagógicos, que podem ser usados em
qualquer lugar, sem necessitarem ser reconstruídos e pensados em
suas contradições. Tomar simplesmente estas coisas sem
reconstruí-las é algo que se volta contra a próprias noção da
pedagogia freireana.
Embora eu concorde em larga escala com a noção de que a pedagogia
de alguém deve apoiar-se na experiência vivida dos atores e de que
existem maneiras para estimular isso – e neste ponto Freire não
tem paralelo no mundo – eu sou, em outros sentidos, provavelmente
mais gramsciano porque penso que abrimos mão em demasia da questão
do conteúdo. Estou principalmente preocupado com a ideia que algumas
pessoas tem, quando interagem para criar um alfabetismo político,
que é um processo lento, que o conhecimento que frequentemente
chamamos de “burguês” não é essencial para aquele processo de
alfabetismo. Supomos que os recursos necessários estão de algum
modo já naquela comunidade e que “nós” não necessitamos
levá-los até eles. Penso que todo este conhecimento, mesmo as
disciplinas tradicionais, foi construído a partir do trabalho de
todos. E ele pertence a essas pessoas, merece ser deles. Eu iria
adiante – embora pense que a pedagogia possa ser a mesma – e
levaria muito mais a sério a questão do conteúdo. Acredito,
também, que corremos o perigo de nos apropriarmos e tornarmos
politicamente não ameaçador, brilhante material que foi
desenvolvido no Terceiro Mundo e em tipos práticos de luta. Deste
modo, contribuímos para a perda de seu compromisso crítico com a
libertação. Como disse, penso que não é fácil transladar isso
para as nossas salas de aula e não creio que as condições são
necessária e exatamente as mesmas. Portanto, penso que isto tem que
ser reapropriado, reconstruído em torno de temas, de estruturas de
vida das pessoas reais, nas nações industrializadas. Necessitamos
ser muito cuidadosos para não criar simplesmente outra alegoria.
Acredito que, de fato, o que fazemos frequentemente é tomar Freire
como um modelo simples, simplesmente uma técnica transferível, uma
técnica que tiramos do bolso, esquecendo que ela foi construída na
luta e que precisa ser reconstruída e reconectada com as pessoas.
Assim vejo uma variedade de perigos. Mas, por outro lado, a abordagem
freireana é um avanço sobre as formas como normalmente pensamos a
educação não formal, sobre o conhecimento de que certos grupos é
apropriado e sobre como podemos articular isto de modo bastante
crítico, que seria um ato de má-fé não permitir que ela
influenciasse muito do que fazemos.
Nosso trabalho é uma forma de política cultural. Envolve todos nós
na tarefa que Williams chamou de “jornada da esperança” em
direção à “longa revolução”. Fazer menos, não nos
envolvermos nesta tarefa, é, ignorar as vidas de milhões de
estudantes e professores em todo o mundo. Não agir é permitir aos
poderosos que vençam. Podemos permitir que isso aconteça?"