terça-feira, 26 de junho de 2012

Michael Apple, observações sobre Paulo Freire.




O trabalho do professor Michael Apple nunca despertou muito minha atenção. Em que pese a chamada "americanização" do mundo e as ingerências de políticas neoliberais e do mundo corporativo no campo educacional. Autores nacionais, latino-americanos e europeus (especialmente os franceses) foram mais incisivos na minha formação. Deste modo sigo meu próprio caminho.Estou longe de ser antiamericano e reconheço a excelente qualidade de historiadores e cientistas sociais estadunidenses; todavia considero o pensamento educacional da esquerda norte-americana um tanto restrito ao seu próprio contexto e um tanto dogmático para o meu gosto. Somado-se a isto, existem minhas restrições ao pensamento pós-moderno e ao neo-pragmatismo. De qualquer maneira achei notáveis estas observações de Apple em torno dos limites das apropriações das ideias de Paulo Freire. Valem a pena serem transcritas, ainda mais porque existe um estereótipo muito recorrente, onde manifestar qualquer crítica ao pensamento freireano é tida como reacionária e mal informada. Michael Apple consegue manter um distanciamento crítico de um de seus mestres e atentar para possíveis leituras e usos equivocados de determinados construtos teóricos. Este é um trecho de uma entrevista que o autor concedeu em 1990 e foi incluída no seu livro Conhecimento Oficial: a educação democrática numa era conservadora. (Petrópolis: Vozes, 1999 2ª edição). O depoimento foi prestado a Carlos Torres (Universidade da Califórnia) e Raymond Morrow (Universidade de Alberta). Tomei conhecimento desta entrevista bem depois de escrever este texto, onde critico a ideia de educação bancária.

 "Carlos: Você explorou muito material de Freire. Qual seria a sua principal crítica à abordagem freireana? Qual a ideia que mais o impressionou?

Michael: Existem poucas pessoas de quem eu gostaria de ser aluno e Freire é uma delas. Ele é alguém que tenho o orgulho de conhecer. .as como em relação a todas as pessoas, existem certas coisas que temos que criticar. Temos a tendência de criar deuses. Sei que isso é desconfortável para Freire. Quando estive no Brasil, tornou-se bastante claro para mim que existem muitas pessoas progressistas que também discordam dele, e um dos desserviços que penso que prestamos, quando criamos deuses, é que esquecemos que existem debates sobre o seu trabalho, em sua própria nação. Portanto, a primeira coisa que gostaria de sugerir é a que descobríssemos quais são as discussões sobre as teorias pedagógicas de Freire, onde elas ocorreram. Deste modo, podemos ter certeza de que não importam ideias que poderiam ser reforçadas por suas relações com aquelas múltiplas tradições originárias, por vezes conflituosas. Poderíamos então compreender melhor seus pontos fortes e suas fragilidades, colocando-nos numa posição de não vê-las apenas como recursos políticos/pedagógicos, que podem ser usados em qualquer lugar, sem necessitarem ser reconstruídos e pensados em suas contradições. Tomar simplesmente estas coisas sem reconstruí-las é algo que se volta contra a próprias noção da pedagogia freireana.
Embora eu concorde em larga escala com a noção de que a pedagogia de alguém deve apoiar-se na experiência vivida dos atores e de que existem maneiras para estimular isso – e neste ponto Freire não tem paralelo no mundo – eu sou, em outros sentidos, provavelmente mais gramsciano porque penso que abrimos mão em demasia da questão do conteúdo. Estou principalmente preocupado com a ideia que algumas pessoas tem, quando interagem para criar um alfabetismo político, que é um processo lento, que o conhecimento que frequentemente chamamos de “burguês” não é essencial para aquele processo de alfabetismo. Supomos que os recursos necessários estão de algum modo já naquela comunidade e que “nós” não necessitamos levá-los até eles. Penso que todo este conhecimento, mesmo as disciplinas tradicionais, foi construído a partir do trabalho de todos. E ele pertence a essas pessoas, merece ser deles. Eu iria adiante – embora pense que a pedagogia possa ser a mesma – e levaria muito mais a sério a questão do conteúdo. Acredito, também, que corremos o perigo de nos apropriarmos e tornarmos politicamente não ameaçador, brilhante material que foi desenvolvido no Terceiro Mundo e em tipos práticos de luta. Deste modo, contribuímos para a perda de seu compromisso crítico com a libertação. Como disse, penso que não é fácil transladar isso para as nossas salas de aula e não creio que as condições são necessária e exatamente as mesmas. Portanto, penso que isto tem que ser reapropriado, reconstruído em torno de temas, de estruturas de vida das pessoas reais, nas nações industrializadas. Necessitamos ser muito cuidadosos para não criar simplesmente outra alegoria.
Acredito que, de fato, o que fazemos frequentemente é tomar Freire como um modelo simples, simplesmente uma técnica transferível, uma técnica que tiramos do bolso, esquecendo que ela foi construída na luta e que precisa ser reconstruída e reconectada com as pessoas. Assim vejo uma variedade de perigos. Mas, por outro lado, a abordagem freireana é um avanço sobre as formas como normalmente pensamos a educação não formal, sobre o conhecimento de que certos grupos é apropriado e sobre como podemos articular isto de modo bastante crítico, que seria um ato de má-fé não permitir que ela influenciasse muito do que fazemos.
Nosso trabalho é uma forma de política cultural. Envolve todos nós na tarefa que Williams chamou de “jornada da esperança” em direção à “longa revolução”. Fazer menos, não nos envolvermos nesta tarefa, é, ignorar as vidas de milhões de estudantes e professores em todo o mundo. Não agir é permitir aos poderosos que vençam. Podemos permitir que isso aconteça?"


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