sábado, 3 de março de 2012

Bertrand Russell: As funções do professor.


Um texto fundamental para nossa formação não é aquele em que concordamos com tudo (e nos apaixonamos à primeira vista, como se fosse uma parte de nós) e apresenta algo que já esperávamos (embora façamos um semblante de surpresa e encantamento).
Seu valor reside na capacidade de mobilizar os neurônios, nos tirar do centro confortável onde nos encontramos, mesmo sendo antipático, ríspido ou irritante, e coloca às claras coisas que não queremos aceitar. Proporciona uma sensação de “por que não havia pensado nisto antes?”, “hum, aquilo que muitos acham maravilhoso e elogiam pode não ser tão benéfico assim (ou seu oposto)”; “deixei escapar este detalhe, agora posso ver de outra forma”, "ele apresenta o assunto sem prejulgamentos, depois faz suas considerações." 

“As funções do professor”1, de Bertrand Russell (1872-1970) faz parte de um volume de escritos denominado “Ensaios Impopulares” (Unpopular Essays,editado originalmente pela Simon and Schuster, New York em 1950). Estes textos foram elaborados entre meados da década de 1930 e o final dos anos 1940. Portanto, está atravessado de aspectos essenciais do século XX, e que nos mobilizam ainda hoje: a questão do Estado, o papel das grandes corporações, o dilema entre indivíduo e sociedade burocratizada e massificada, o conflito entre democracia e totalitarismo, a diversidade cultural e a intolerância...

O filósofo britânico também realizou experimentos educacionais. Com sua esposa Dora fundou a escola experimental de Beacon Hill em 1927. Neste lugar, as crianças vivenciavam uma forma de autogoverno, onde os alunos discutiam e deliberavam com pais e professores questões da vida escolar.

A concepção educacional de Bertrand Russell provém de seu conceito de natureza humana, que pode ser compreendida como uma síntese bastante pessoal da psicanálise de Freud, do behaviorismo de Watson, alguma inspiração em Start Mill e John Dewey e, principalmente, de seus próprios pensamentos, construídos após décadas de pesquisa, reflexão, ensino e experiência de vida.

Russell acredita que a natureza humana é construída histórica e socialmente. É possível, por meio de 'instrução' e da “formação” estruturar esta natureza humana conforme certos ideais. Tudo isto depende do projeto educacional, e concepção de pessoa, que a sociedade deseja implementar. Diferentemente de Hobbes, Locke e Rousseau, Russell não compartilha a visão de que o ser humano é intrinsecamente “bom” ou “mau”. O que existe são impulsos básicos, fundamentais (em especial os “impulsos possessivos”, relacionados ao sentimento de posse, aquisição de bens privados, e os “impulsos criativos ou construtivos, que se deslocam ao bem comum).
Os impulsos possessivos não são ruins em si, mas em seu predomínio absoluto estão os males que conhecemos: intolerância, tirania, discriminação de classe, concentração de riqueza e recursos nas mãos de poucos... Uma vida feliz estaria num contexto em que os impulsos criativos detém a hegemonia e os impulsos possessivos ficam recalcados (e não eliminados, pois são constituintes de nossa subjetividade e tem sua função). A finalidade da educação estaria em cultivar os impulsos criadores, fortalecendo a justiça e coesão social.
Dessa forma, a educação tem por missão formar o indivíduo como um valor em si mesmo, evitando a doutrinação política e partidária. As ciências tem papel fundamental neste ideário, ampliando a compreensão sobre a natureza humana e auxiliando no aperfeiçoamento de métodos pedagógicos.
O professor, entretanto, tem um papel fundamental neste processo. É ele que deve ter a liberdade de cátedra e poder de escolha dos recursos que deseja utilizar, sem injunções burocráticas e ideológicas.

Após esta introdução, destaco duas coisas importantes, implicadas neste ensaio, e que confrontam o ideal pedagógico da contemporaneidade. Trata-se do conceito de civilização e do professor como agente desta concepção.

Por civilização, Russell não designa realizações e estruturas materiais (embora não negue sua importância), porém “é uma coisa do espírito (…) em parte, uma questão de conhecimento e, em parte, uma questão de emoção.” Por conhecimento ele entende tanto o patrimônio cultural da humanidade e a consciência de nossa finitude, frente a grandeza espaço temporal do universo. A emoção se refere aos construtos do espírito humano, em especial as ideias de justiça social, as criações artísticas e dos saberes a respeito do ser humano e do mundo que o cerca. É um legado ambivalente, do lado do amor, beleza e conhecimento existe a crueldade, opressão e superstição. O professor não deve fazer juízos de valor sobre estes eventos e valores bárbaros, mas compreendê-los e procurar combater e neutralizar suas causas. Uma educação fundada desse modo tornaria os seres humanos menos arrogantes, violentos e mais aptos a vida democrática e criativa. 

Russell partilha, a sua maneira, da concepção de professor como um missionário, portanto não é um profissional como qualquer outro. Formidável (ainda que politicamente incorreta) a seguinte definição:
“O professor é uma espécie de médico cujo propósito é curar o paciente de infantilidade, mas não lhe permitem decidir por si mesmo, baseado em sua experiência, quais os métodos mais apropriados para tal fim.”

É um educador que intervém, possui voz própria e liberdade de ação, cuja função é transmitir o saber no qual foi formado. Ele cuida de seus alunos, não é “apresentador de programa de auditório”, ou consumidor e executor de teses psicopedagógicas elaboradas por gente que nunca adentrou uma sala de aula e pegou num giz. A infantilidade é algo análogo ao estado de minoridade kantiano, a quem o professor deve “curar” no sentido que a eles deve ser apresentados o mundo da cultura e das relações humanas.

Pode-se questionar certo otimismo demasiado do autor em creditar à educação tarefas tão gigantescas. Mas é coerente com o ideário liberal e democrático que adota. O que não nos exime de avaliá-lo criticamente.

Dado o contexto histórico, Russell estava bastante preocupado com a força do Estado e a interferência da religião nos assuntos públicos. Também faz criticas severas ao sistema capitalista, quando este deseja intervir no trabalho do professor, embora em menor grau. Com certeza não esperava que a educação se tornasse a mercadoria altamente valorizada que é hoje, panacéia para todos os males. Injunções corporativas que sufocam a própria razão de existir da educação.

Outro aspecto é a questão da “felicidade”. Russell também não imaginava a banalização destes assuntos pela industria e ideologias da felicidade a qualquer preço; seja via consumo de mercadorias, seja pelo recurso às drogas (fica um limite tênue entre felicidade como alienação e fuga das dificuldades e responsabilidades) ou pela submissão a esquemas predeterminados da literatura de autoajuda (que se reclama “científica” e mesmo “filosófica”). Na nossa sociedade psicologizada estes recursos muito mais trazem benefícios (financeiros e de poder simbólico) aos seus criadores do que aqueles que se utilizam destes serviços.

Felicidade é algo subjetivo. Certamente há elementos externos, concretos, digamos, universais. Ao meu ver é complicado criar políticas públicas em torno do tema. Acabam aparecendo formas de intromissão e direcionamento na vida do indivíduo que o autor tanto combate. Parece um psicologismo meio simplório, do tipo que quer afastar a dor, o sofrimento e demais contingências da face da Terra, embora tenham função formadora importante na subjetividade do ser (conquanto não se endeuse o sofrimento).

Dentro de sua confiança inabalável no poder da ciência, Bertrand Russell acreditaria em alguma espécie de “mensuração da felicidade”, critério aplicável a todos os seres humanos?

Certas passagens podem lembrar um pouco a “pedagogia do amor” mais recente, ou bobagens como "inteligência emocional" ou "teoria (?) das inteligências múltiplas", que fala de mestres afetivos e tolerantes, sempre orientados "cientificamente" por gurus dedicados, algo que beira a indiferença e renúncia a própria postura como educador. Simplesmente um adaptação a sociedade tal como está. Sem preocupação com conteúdos culturais e científicos consistentes a serem ensinados. Mas a concepção de amor, felicidade e emoção de Russell tem muito pouco a ver com isto. Mostra que um racionalista não descuida desses assuntos.
Ele pertence a seu tempo, onde a influência da psicologia, através da Escola Nova e outras correntes, tornar-se-ia dominante  no contexto educacional. 


Por outro lado, o amesquinhamento da vida intelectual e política, cujos sintomas ele detecta, não para de prosperar. Desqualificação da postura divergente (tomada como algo pessoal), crianças e adolescentes crescendo num gueto linguístico e intelectual, vácuo formativo, condenados a uma existência precária que só autores sedentos de poder percebem como produtivo. Há muito o que fazer.

O que permanece deste ensaio é precioso. Um professor que tem dignidade, voz própria e uma missão bem definida. Como um intelectual que tem o dierito e dever de enunciar suas ideias em voz própria, responsabilizando-se por elas.


Sem exageros do utilitarismo que vê apenas o imediatismo da economia de mercado e dos modismos intelectuais e que tem a ética e legitimidade de apresentar aos alunos o mundo da cultura e das ciências.

Um texto perfeito, que deveria ser mais valorizado em cursos de pedagogia e licenciatura. Em especial a ser debatido com o clássico de Hannah Arendt "A crise da educação". A ser saboreado por que enfrenta o desafio e angústia de ensinar. Pode-se dispensar tranquilamente os vendilhões da imprensa e parte da academia.


Bertrand Russell: As funções do professor (excertos):

“O ensino, mais do que a maioria das outras profissões, transformou-se, durante os últimos cem anos, de uma pequena profissão altamente especializada referente apenas a uma minoria da população, num grande e importante ramo do serviço público. Essa profissão tem uma grande e honrosa tradição, que se estabeleceu desde o raiar da história até tempos recentes, mas qualquer professor do mundo moderno que se permite ser inspirado pelos ideais de seus predecessores está sujeito a perceber claramente que a sua função não é ensinar o que ele acha que deve ensinar, mas disseminar crenças e preconceitos que possam ser considerados úteis por aqueles que são os seus empregadores. Em outras épocas, esperava-se que um professor fosse um homem de conhecimento ou sabedoria excepcionais, em cujas palavras os homens faziam bem em atentar. (...) Qualquer homem que possua o impulso genuíno de professor mostrar-se-á mais ansioso de sobreviver em seus livros do que em sua própria carne. Um sentimento de independência intelectual é essencial ao desempenho adequado das funções do professor, já que a sua tarefa é instilar o que se sabe a respeito do conhecimento e da razoabilidade no processo de formar a opinião pública.”

Em nosso mundo altamente organizado, deparamos com um novo problema. Algo que se chama educação é ministrado a toda gente, geralmente pelo Estado, mas também às vezes, pelas Igrejas. O professor transformou-se, assim, na grande maioria dos casos, num servidor cortês obrigado a executar as ordens de homens que não tem a sua cultura, não dispõem de experiência quanto ao trato da juventude, e cuja única atitude com respeito à educação é a de um propagandista. Não é muito fácil de ver-se de que maneira podem os professores, em tais circunstâncias, realizar as funções para as quais estão especialmente adequados.
A educação pelo Estado é obviamente necessária, mas de maneira igualmente óbvia, envolve certos perigos contra os quais deve haver certas precauções. Os males que há a temer puderam ser vistos, em sua plena magnitude, na alemnha nazista, podendo ainda hoje, ser observados na Rússia. Onde tais males prevalecem, homem algum pode ensinar, a menos que subscreva um credo dogmático que poucas pessoas de inteligência livre são capazes de aceitar sinceramente.”

“A função do professor, porém, não é somente atenuar a violência das controvérsias. Tem ele tarefas mais positivas a realizar, e não pode ser um grande professor a menos que seja inspirado pelo desejo de realizar tais tarefas. Os professores são, mais do que qualquer outra classe, os guardiães da civilização. Deveriam estar intimamente cônscios do que é a civilização, bem como desejosos de comunicar uma atitude civilizada aos seus alunos. Somos, assim, levados à pergunta: que constitui uma comunidade civilizada?

(...)A civilização, no sentido mais importante, é uma coisa do espírito, e não acréscimos materiais ao lado físico da vida. É, em parte, uma questão de conhecimento e, em parte, uma questão de emoção. Quanto ao que diz respeito ao conhecimento, o homem deveria ter consciência da sua própria pequenez e do seu meio imediato em relação ao mundo no tempo e no espaço. Deveria encarar o seu próprio país não apenas como o seu país, mas como um dentre os demais países do mundo, todos eles com igual direito de viver, de pensar e de sentir. Deveria ver a sua própria época em relação ao passado e ao futuro, percebendo que as suas próprias controvérsias parecerão tão estranhas às épocas futuras como hoje nos parecem as controvérsias das épocas passadas. Adotando-se um ponto de vista ainda mais amplo, deveria ter consciência da vastidão das épocas geológicas e das enormes distâncias astronômicas; mas deveria ter consciência de tudo isso não como um peso que esmagasse o espírito da criatura humana, mas como um vasto panorama que alargasse a mente que o contemplasse. Quanto ao que diz respeito às emoções, é necessário, para que um homem seja verdadeiramente civilizado, um alargamento bastante idêntico de perspectiva, partindo do que é puramente pessoal. Os homens vão do nascimento à morte às vezes felizes, às vezes infelizes; às vezes generosos, outras vezes avaros e mesquinhos; às vezes heroicos, outras vezes covardes e servis. Para o homem que encara este desfile como um todo, certas coisas se sobressaem como dignas de admiração. Certos homens foram inspirados por amor à humanidade; outros pelo intelecto supremo, nos ajudaram a compreender o mundo em que vivemos; e alguns outros, mediante sensibilidade excepcional, criaram beleza. Tais homens produziram algo de bom e positivo para contrabalançar o longo registro de crueldade, opressão e superstição. Tais homens fizeram tudo o que estava em seu poder para tornar a vida humana uma coisa melhor do que a breve turbulência dos selvagens. O homem civilizado, quando não pode admirar, tem em mente mais a compreensão do que a reprovação. Procurará antes descobrir e remover as causas impessoais do mal do que odiar homens que se encontrem em suas garras. Tudo isto deveria estar na mente e no coração do professor, pois se isto estiver em sua mente e em seu coração, procurará transmitir tal coisa aos jovens que se acham sob seus cuidados.

Homem algum poderá ser bom professor se não tiver sentimentos de cálida afeição para com seus alunos, bem como um desejo sincero de comunicar-lhes o que ele próprio considera de valor.
(…) Deveria ser uma das funções do professor abrir novas perspectivas aos seus alunos, mostrando-lhes a possibilidade de atividades não só agradáveis como úteis, libertando, assim, os seus impulsos generosos e impedindo o desenvolvimento do desejo de roubar aos outros as alegrias que lhes faltam. Muita gente se refere com desprezo à felicidade como um fim, mas pode-se suspeitar de que se trata de criaturas amargas. Uma coisa é renunciar à própria felicidade tendo-se em vista uma finalidade pública; mas é inteiramente diferente tratar-se a felicidade geral como se fosse coisa sem importância. No entanto, isso é feito frequentemente em nome de um suposto heroísmo. Há, em geral, nas pessoas que adotam tal opinião, um veio de crueldade, baseado, provavelmente, em inveja inconsciente, sendo que a fonte desta inveja será encontrada, quase sempre na infância e juventude. O educador deveria ter por objetivo educar adultos livres desses infortúnios psicológicos, que não se mostrem ansiosos de privar os outros da felicidade porque eles próprios foram privados dela.

Como as coisas se encontram hoje em dia, muitos professores se acham incapazes de dar o melhor que podiam de si mesmos. Há várias razões para isso, algumas das quais mais ou menos acidentais, e outras profundamente enraigadas. Começando pelas primeiras dessas razões, convém dizer que a maioria dos professores se acham sobrecarregados de trabalho, sendo obrigados a preparar os seus alunos apenas para os exames, ao invés de lhes ministrar um treino mental generoso. As pessoas que não estão acostumadas a ensinar -e isto inclui, praticamente, todas as autoridades educacionais – não tem ideia do dispêndio de inteligência que isto envolve. Não se espera que os clérigos façam sermões, todos os dias, durante várias horas, mas um esforço análogo é exigido dos professores. O resultado é que muitos deles ficam esgotados e nervosos, alheios às obras ecentes sobre as matérias que ensinam, e incapazes de inspirar aos seus alunos a sensação de prazer intelectual que se obtém através de uma nova compreensão e de um novo conhecimento.

O que, antes de mais nada, um professor deveria procurar produzir em seus alunos, se se quiser que a democracia sobreviva, é a espécie de tolerância que nasce do empenho de se compreender aqueles que são diferentes de nós. Constitui, talvez, um impulso natural encarar-se com horror e aversão todas as maneiras e costumes diferentes daqueles com que estamos habituados. As formigas e os selvagens condenam os estranhos à morte. E aqueles que nunca viajaram, quer física, quer mentalmente, acham difícil de se tolerar as maneiras estranhas e grotescas de outras nações e de outras épocas, bem como outras seitas e partidos políticos. Esta espécie de intolerância ignorante é a antítese da visão civilizada, constituindo um dos mais graves perigos a que está exposto o nosso mundo superpovoado. O sistema educacional deve ter por objetivo corrigir tal coisa, mas pouquíssimo se fez nesse sentido até o momento. Em cada país, o sentimento nacionalista é encorajado, ensinando-se às crianças das escolas – coisas em que elas se acham bastante prontas a acreditar – que os habitantes de outros países são moral e intelectualmente inferiores aos do país em que os escolares vivem. A histeria coletiva, a mais louca e cruel de todas as emoções humanas, é encorajada, ao invés de ser desencorajada, sendo os jovens incentivados a acreditar naquilo que ouvem com frequência dizer, em lugar de acreditarem naquilo em que há uma base racional para se acreditar. Em tudo isso, não se deve censurar o professor. Eles não são livres para ensinar o que o desejam. São eles que conhecem mais intimamente as necessidades da juventude. São eles que, mediante contato diário, se interessam pelos jovens. Mas não são eles que decidem o que deverá ser ensinado ou quais métodos didáticos que deverão ser adotados. Deveria haver muito mais liberdade do que a que existe na profissão de professor. Deveria haver muito mais oportunidades de autodeterminação, mais independência quanto à interferência de burocratas e intolerantes. Ninguém consentiria, em nossos dias, que se sujeitasse os médicos ao controle de autoridades que nada entendessem de medicina e tencionassem dizer-lhes de que maneira deveriam tratar de seus pacientes, exceto, naturalmente, quando se apartassem criminosamente do propósito da medicina, que é o de curar o paciente. O professor é uma espécie de médico cujo propósito é curar o paciente de infantilidade, mas não lhe permitem decidir por si mesmo, baseado em sua experiência, quais os métodos mais apropriados para tal fim. Algumas poucas universidades históricas, pelo poder de seu prestígio, asseguraram uma autodeterminação virtual, mas a imensa maioria das instituições educacionais se acha tolhida e controlada por homens que não compreendem o trabalho em que estão interferindo. A única maneira de se impedir o totalitarismo em nosso mundo altamente organizado, é assegurar um certo grau de independência aos indivíduos que realizam trabalho público útil, e entre tais indivíduos os professores merecem lugar de destaque.

O professor, como o artista, o filósofo e o homem de letras, somente pode realizar adequadamente o seu trabalho se se sentir como indivíduo dirigido por um impulso criador íntimo, e não sentindo-se dominado e agrilhoado por uma autoridade externa. É muito difícil de encontrar-se, em nosso mundo moderno, um lugar para o indivíduo. Pode ele subsistir no alto como um ditador num Estado totalitário ou como magnata plutocrático num país de grandes empreendimentos industriais, mas no reino do espírito está se tornando cada vez mais difícil preservar-se a independência das maiores forças organizadas que controlam as existências dos homens e das mulheres. Se se quiser que o mundo não se veja privado do benefício a ser auferido de seus melhores espíritos, terá ele de encontrar algum método que lhes permita, apesar da sua organização, escopo e liberdade. Isso envolve uma abstenção deliberada por parte daqueles que dispõem do poder, bem como uma percepção consciente de que há homens aos quais se deve dar liberdade de ação. Os Papas da Renascença puderam sentir desse modo com respeito aos artistas renascentistas, mas os homens poderosos de nossa época parecem experimentar maior dificuldade em sentir respeito pelas criaturas dotadas de talento excepcional. A turbulência de nossa época é inimiga da fina flor da cultura. O homem da rua acha-se cheio de medo, não se sentindo, portanto, disposto a tolerar liberdades que não lhe parecem necessárias. Talvez devamos esperar tempos mais tranquilos, antes que as reivindicações da civilização possam de novo vencer as reivindicações do espírito partidário. Entrementes, é importante que ao menos alguns continuem a perceber as limitações, pela organização, do que pode ser feito. Todo sistema deveria permitir saídas e exceções, pois, se não o fizer, acabará, no fim, por esmagar tudo o que há de melhor no homem."


1. RUSSELL, Bertrand "As funções do professor". In Ensaios Impopulares, tradução de Breno Silveira, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1954 (Biblioteca do Espírito Moderno), pp.139-152

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