Um presente para os meus leitores.
Monstros, demônios e
encantamentos no fim da Idade Média, de Claude Kappler . (tradução: Ivone Castilho
Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1994; Coleção O Homem e a
História) é um daqueles livros fundamentais que são sempre
mencionados e recomendados mas que se encontram inexplicavelmente
fora de catálogo.
Claude-Claire Kappler (n. em 1946) é uma medievalista e orientalista francesa. Pesquisadora do Centro Nacional de
Pesquisa Científica (CNRS) na área de literatura medieval. Ela também é
especializada em literatura persa clássica e sobre as relações
entre o Oriente e o Ocidente.
A ideia deste livro
teve origem na contemplação das pinturas de Hieronymus Bosch. A
autora indagava: o que era o monstro na Idade Média? Como ele era
compreendido? Que papel desempenhava?
O problema que orientou sua pesquisa, em suas palavras: “o que
para nós é obscuro parece ter sido claro naqueles tempos” [pois]
estavam inseridos num contexto que a esclarece e a explica.", p.3
Portanto, seu objeto de estudo consiste no
monstro na imaginação, e não na natureza (pois a atitude adotada em
relação ao primeiro item pode ser parcialmente explicada pelo segundo).
A pesquisa foi
realizada principalmente nas bibliotecas universitárias de Basiléia,
Estrasburgo e Genebra. o enorme corpus documental abrangeu fontes literárias e iconográficas (muitas, até aquele momento inéditas). de modo que compreendia o seguinte:grandes obras/textos –
o monstro aparece de forma esparsa e rara. Narrativas de
viagens: “aparecem com uma constância e uma naturalidade que lhes
conferem existência própria” p.4 --- séculos XIII-XIV-XVI...
África e Ásia – "afinidades naturais entre viagens, contos e
mitos: a imaginação é muito estimulada"., p.4
Não havia uma definição
de monstro, mas tentativas de defini-lo que variavam de acordo com os
autores e fundamentalmente segundo às épocas. Geralmente o monstro
é definido em relação à norma pp. 292-293; também o monstro é
aquele cujo aspecto não estamos acostumados. É um desvio da
forma... Na literatura o
monstro pode ter várias funções: narrativa, simbólica (com
finalidade moral) e uma função catártica. (que permite combater o
mal e o excesso)
A palavra “monstro”,
do latim monstrum: “prodígio / milagre” surgiu durante a
primeira metade do século XII e é empregada para designar criaturas
disformes que eram exibidas nos circos ou nas feiras.
No século XIX surge a
teratologia, “ciência” dos seres monstruosos, ou mais
precisamente estudo das anomalias do desenvolvimento embrionário.
Segundo o zoólogo e naturalista francês Étienne Geoffory
Saint-Hilaire (1772-1844) “o monstro é um homem inacabado”.
Na definição
corrente: monstro é um ser vivo cuja conformação difere
consideravelmente da dos indivíduos de sua espécie, por excesso,
por falta ou pela posição anormal de certas partes de seu corpo.
Finalmente o termo
“monstro” também remete às criaturas fantásticas e terríveis
das lendas e das mitologias (Centauro, Quimera, Minotauro...). Sem
olvidarmos do imaginário contemporâneo, cujo suporte é o cinema, a
literatura de terror, as histórias em quadrinhos. Mas esse aspecto
foge do livro em questão.
Para Claude Kappler a qualificação de “monstro” baseia-se em três
tipos de argumentos:
O argumento genético,
que leva em consideração as causas (Aristóteles, “Geração dos
animais”; e também Ambrósio Paré)
O argumento teológico
e estético, que se apoia na harmonia do universo (Santo Agostinho,
“Cidade de Deus”; XVI,8)
O argumento
exemplarista ou normativo, que se refere a modelos dos quais os
monstros se afastariam como se fossem “más reproduções”.
O monstro existe em
todos os níveis da Criação, tanto no reino humano, como nos reinos
animal, vegetal e mineral.
Santo Agostinho
interessava-se somente pelos monstros humanos. A questão que o
mobiliza é saber se as raças monstruosas descendem de Adão, o que
põe em dúvida a legitimidade da perfeição da Criação. O bispo
de Hipona se vale de uma interessante noção de diversidade: nada
ocorre ao acaso e Deus criou o Universo como um tecido onde a
semelhança e a diversidade entre as partes se entrelaçam. Portanto
o monstro representa uma espécie de contrapeso, enquanto criatura
distinta do protótipo humano.
Segundo a perspectiva
medieval os monstros são parte integrante da Criação, sendo
contados entre a fervilhante população do Universo.
Quanto à atitude
medieval com relação aos monstros. O imaginário medieval
estabeleceu uma tipologia dos monstros que observa certos critérios:
-
o monstro como símbolo do antiético, do “completamente outro”;
-
o monstro como criatura “fraca” (a quem falta algo de essencial ou que apresenta uma deformidade dos órgãos;
-
o monstro como fusão dos reinos animal, vegetal e mineral, ou ainda como fusão dos sexos;
-
o monstro como criatura todo-poderosa ou destruidora.
Os modernos consideram
o monstro um mistério, escândalo, espécie maldita e ligada a uma
patologia.
Enfim, uma obra muito rica de insights e muito bem escrita, constituindo excelente fonte de aprendizado sobre um imaginário sempre presente na contemporaneidade, via cinema, seriados, HQs e demais artes.
8 comentários:
Você tem o PDF desse livro? To procurando pra minha pesquisa de Iniciação científica e não acho e é muito caro, não tenho como pagar
Olá Eduardo. O arquivo pode ser acessado pelo link "Arquivo em PDF", no final do texto.
Obrigada, estou levando este. Andei procurando pra comprar há anoso mas continua muito caro, (acima de 200) muito obrigada mesmo.
Se eu puder ajudar em algo, se houver alguma coisa que vc procura me fale. Tenho bastante material, bandas, movies, etc, de repente quem sabe não te retorno o favor. abraço.
Amei, muito obrigado!!!
Ola eu tentei baixar pelo link mas o arquivo nao existe, alguem poderia me enviar pelo e-mail lavinia.eduarda1837@gmail.com
Olá. Mandei um e-mail para você. Criei um link no MEGA:
https://mega.nz/file/DxJkjK4C#MF722xt-YiA6MzQpjvnVbkXS6JT57Yv6g_AFTzltSkY
Marcelo
Boa noite , obrigado por postar , esse livro está com um preço elevado e não teve reedição.
Grato.
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